As eleições italianas


O novo governo que sairá destas eleições é uma incógnita. As eleições ditaram não apenas a derrota de Renzi, mas também de Berlusconi


Depois da eleição de Donald Trump, em 2016, receava-se que os ventos populistas chegassem em 2017 ao coração da Europa, primeiro com a possível vitória de Geert Wilders nas eleições holandesas, depois com os riscos de Marine Le Pen chegar à presidência da França e, finalmente, com os riscos de subida da AfD nas eleições federais alemãs. Esses receios mostraram-se infundados. Na Holanda, Geert Wilders foi facilmente derrotado pelo primeiro-ministro Mark Rutte, que assim se manteve em funções. Já em França, Marine Le Pen conseguiu atingir a segunda volta das presidenciais, mas foi incapaz de parar o furacão político Emmanuel Macron, que praticamente chegou, viu e venceu. Já as eleições federais alemãs conduziram, de facto, a uma subida da AfD, mas não a ponto de lhe assegurar influência decisiva no parlamento alemão. A União Europeia suspirou, assim, de alívio, só ensombrado pelas dificuldades que Angela Merkel teve em reeditar a sua grande coligação, que só este fim-de- -semana ficaram resolvidas.

No último domingo, porém, tudo se complicou em Itália, onde os resultados eleitorais colocaram os partidos populistas e eurocépticos em condições de dominar, pela primeira vez, um dos grandes Estados-membros da União Europeia. O Movimento 5 Estrelas, actualmente liderado por Luigi Di Maio, de cariz eurocéptico e defensor da democracia directa, teve uma subida de sete pontos percentuais, passando de 25% para 32%, sendo por isso cada vez mais difícil que continue a ficar arredado da cena política italiana. Ao mesmo tempo, o bloco de direita consegue ser a coligação mais votada, mas o posicionamento dos partidos que o integram altera-se, com a Liga de Matteo Salvini, com 17,6% dos votos, igualmente eurocéptico e que se opõe ao euro, a ultrapassar a Força Itália, de Silvio Berlusconi, que apenas atingiu 14%, o que permitirá a Salvini reclamar o lugar de primeiro-ministro. Já o Partido Democrático, de Matteo Renzi, que governou a Itália nos últimos cinco anos, com uma quebra de sete pontos percentuais, terá necessariamente como destino a oposição. Os governos socialistas e de esquerda estão, assim, a tornar-se cada vez mais raros na União Europeia, salientando-se as excepções da Grécia de Alexis Tsipras e do Portugal de António Costa, graças à geringonça que este conseguiu montar.
O novo governo italiano que sairá destas eleições é, porém, uma incógnita. As eleições ditaram não apenas a derrota de Renzi, mas também de Berlusconi. Não seria de excluir uma aproximação entre Di Maio e Salvini, uma vez que têm em comum o cariz eurocéptico dos seus partidos, o que seria um cenário de pesadelo para a União Europeia, mas Salvini já rejeitou essa hipótese, preferindo governar com a coligação de direita. Em qualquer caso, é manifesto que o reforço da posição de Salvini vai colocar as relações com a União Europeia em muito maus lençóis.

Das eleições italianas resulta, portanto, que foi prematuro o alívio sentido pela União Europeia com os resultados das sucessivas eleições de 2017. É manifesto que existe um profundo sentimento de desencanto entre os cidadãos europeus que só pode ser resolvido com uma reforma profunda das instituições europeias. Caso contrário, continuaremos a assistir ao cenário de cada eleição num Estado-membro poder causar uma perturbação profunda no funcionamento da União Europeia. Porque não haja dúvidas de que este voto dos eleitores italianos vai trazer sérias consequências, não só para a Itália, mas para toda a Europa.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


As eleições italianas


O novo governo que sairá destas eleições é uma incógnita. As eleições ditaram não apenas a derrota de Renzi, mas também de Berlusconi


Depois da eleição de Donald Trump, em 2016, receava-se que os ventos populistas chegassem em 2017 ao coração da Europa, primeiro com a possível vitória de Geert Wilders nas eleições holandesas, depois com os riscos de Marine Le Pen chegar à presidência da França e, finalmente, com os riscos de subida da AfD nas eleições federais alemãs. Esses receios mostraram-se infundados. Na Holanda, Geert Wilders foi facilmente derrotado pelo primeiro-ministro Mark Rutte, que assim se manteve em funções. Já em França, Marine Le Pen conseguiu atingir a segunda volta das presidenciais, mas foi incapaz de parar o furacão político Emmanuel Macron, que praticamente chegou, viu e venceu. Já as eleições federais alemãs conduziram, de facto, a uma subida da AfD, mas não a ponto de lhe assegurar influência decisiva no parlamento alemão. A União Europeia suspirou, assim, de alívio, só ensombrado pelas dificuldades que Angela Merkel teve em reeditar a sua grande coligação, que só este fim-de- -semana ficaram resolvidas.

No último domingo, porém, tudo se complicou em Itália, onde os resultados eleitorais colocaram os partidos populistas e eurocépticos em condições de dominar, pela primeira vez, um dos grandes Estados-membros da União Europeia. O Movimento 5 Estrelas, actualmente liderado por Luigi Di Maio, de cariz eurocéptico e defensor da democracia directa, teve uma subida de sete pontos percentuais, passando de 25% para 32%, sendo por isso cada vez mais difícil que continue a ficar arredado da cena política italiana. Ao mesmo tempo, o bloco de direita consegue ser a coligação mais votada, mas o posicionamento dos partidos que o integram altera-se, com a Liga de Matteo Salvini, com 17,6% dos votos, igualmente eurocéptico e que se opõe ao euro, a ultrapassar a Força Itália, de Silvio Berlusconi, que apenas atingiu 14%, o que permitirá a Salvini reclamar o lugar de primeiro-ministro. Já o Partido Democrático, de Matteo Renzi, que governou a Itália nos últimos cinco anos, com uma quebra de sete pontos percentuais, terá necessariamente como destino a oposição. Os governos socialistas e de esquerda estão, assim, a tornar-se cada vez mais raros na União Europeia, salientando-se as excepções da Grécia de Alexis Tsipras e do Portugal de António Costa, graças à geringonça que este conseguiu montar.
O novo governo italiano que sairá destas eleições é, porém, uma incógnita. As eleições ditaram não apenas a derrota de Renzi, mas também de Berlusconi. Não seria de excluir uma aproximação entre Di Maio e Salvini, uma vez que têm em comum o cariz eurocéptico dos seus partidos, o que seria um cenário de pesadelo para a União Europeia, mas Salvini já rejeitou essa hipótese, preferindo governar com a coligação de direita. Em qualquer caso, é manifesto que o reforço da posição de Salvini vai colocar as relações com a União Europeia em muito maus lençóis.

Das eleições italianas resulta, portanto, que foi prematuro o alívio sentido pela União Europeia com os resultados das sucessivas eleições de 2017. É manifesto que existe um profundo sentimento de desencanto entre os cidadãos europeus que só pode ser resolvido com uma reforma profunda das instituições europeias. Caso contrário, continuaremos a assistir ao cenário de cada eleição num Estado-membro poder causar uma perturbação profunda no funcionamento da União Europeia. Porque não haja dúvidas de que este voto dos eleitores italianos vai trazer sérias consequências, não só para a Itália, mas para toda a Europa.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990