Enquanto se prossegue com um exercício governativo que em muitas situações procura colocar o Rossio na Betesga, entre questões desviadas para as vielas adjacentes e outras colocadas debaixo da calçada, o quadro político oscila entre o instinto de sobrevivência, a rebaldaria e a gritaria. É certo que existem resultados, mais ou menos sólidos, mas também não é menos verdade que se acentuou a espiral do acessório, do “cosy” e do alternativo. O foco nas questões residuais, mais ou menos simbólicas, desvia a atenção do que verdadeiramente importa para as pessoas. Se podemos discutir em Lisboa a criação de um hospital veterinário municipal, porque havemos de nos preocupar com as fragilidades do acesso aos cuidados de saúde, à compra de medicamentos ou a outras realidades germinantes que, mais tarde ou mais cedo, vão ter sérios impactos na qualidade de vida, na saúde dos cidadãos e nas respostas do Estado?
É de artista reivindicar mais medidas para a seca do atual governo quando, fez agora seis anos, nos idos de 2012, a mesma Assunção Cristas, investida em ministra do Ambiente, do Mar, da Agricultura e do Ordenamento do Território, proclamava: “Devo dizer que sou uma pessoa de fé, esperarei sempre que chova e esperarei sempre que a chuva nos minimize alguns destes danos. Como é evidente, quanto mais depressa vier, mais minimiza; quanto mais tarde, menos minimiza. Se não vier de todo, não perderei a minha fé, mas teremos obviamente de atuar em conformidade.”
É ter azar com a arte o primeiro-ministro ir a Caminha assinalar o município como um exemplo no trabalho de planeamento, de limpeza da floresta e de perímetros urbanos e de mobilização da população, sublinhando que “os incêndios de verão previnem-se no inverno”, para na semana seguinte, a 27 de fevereiro, haver um incêndio de horas que obrigou ao corte da A28.
É estar a abusar da sorte na relação com as autarquias locais querer concretizar um processo de descentralização de competências e meios quando, em simultâneo, há um “sacudir da água do capote” nas questões da limpeza da floresta. Aliás, em Portugal há uma tendência para avançar para novas soluções sem avaliar os processos que foram realizados.
Ao longo dos anos, já houve competências descentralizadas do poder central para as autarquias locais, por exemplo na área da educação. Alguém avaliou as experiências e os resultados? Aquando do desmantelamento das estruturas e da não nomeação dos governadores civis, foram transferidas para o patamar municipal algumas competências. Alguém avaliou o seu funcionamento? O Município de Lisboa costuma ser apontado como o grande exemplo de um processo de descentralização de competências, pensado, estruturado e, curiosamente, consensualizado com o PSD. Alguém tomou atenção ao estado da arte quando foram transferidas competências, recursos humanos e meios financeiros? O esforço autárquico de proximidade teve os meios adequados para a complexidade dos territórios e das suas dinâmicas? Essa avaliação do bloco central da descentralização de competências em Lisboa, tão elogiada, não devia ter uma avaliação objetiva para continuar a ter a legitimidade de ser apontada como exemplo nacional?
É continuar com sorte, sem trabalho prévio, continuar a contar com uma conjuntura política em que à esquerda “gritam muito, mas não mordem” e à direita são evidentes as incoerências com o passado recente governativo e a rebaldaria nos processos de mudança de liderança. Aliás, poder contar com um PSD colaborante, que permite alargar as opções de governação e simultaneamente se divide ao ponto de não permitir a credibilização da liderança, é um redobrado abono de família da solução governativa. Apesar da imprevisibilidade e da volatilidade geral, há coisas que não mudam. Tal como em 2011, no Partido Socialista, há um epicentro de instabilidade no grupo parlamentar, um impulso vocacionado para moer a liderança que, no caso de Rui Rio, soma à inabilidade das suas opções. Uma tragédia para a alternativa, uma sorte para o CDS, mais espaço político de reivindicação para as esquerdas e a sorte grande para António Costa. Entre a rebaldaria e a gritaria, ganha a sobrevivência de quem nasceu virado para a lua. Ganhará o país?
Andamos nisto!
Perguntas finais
Ó Jerónimo, francamente O secretário-geral do PCP diz que “Portugal não vai lá com a geometria variável do PS”. Que país é que foi lá com a geometria fixa do PCP? A Venezuela, a Coreia do Norte, a União Soviética?
Ai, a panela de pressão Com tanta pressão do governo sobre os municípios, os cidadãos e os contribuintes, com recurso até à base de dados das Finanças, não era mau que o Estado fizesse o trabalho de casa, colocando os Kamov operacionais e cumprindo a palavra dada em relação à estrutura acionista do SIRESP.
Olha para o que eu digo A utilização da base de dados das Finanças para a campanha de limpeza da floresta não poderia ser feita se a diretiva sobre proteção de dados pessoais já estivesse em vigor em Portugal. Valeu o atraso na transposição da diretiva comunitária para o governo não ser totalmente apanhado na curva.
Sabe-se lá quando Algum dia a famosa lista de jornalistas avençados do saco azul do GES vai ser do conhecimento público? Até podia ser já. São tão evidentes as movimentações e as campanhas que se montam nas áreas da economia e da comunicação social que até dói ver tanta tentativa de passagem de atestado de ignorância.
Escreve à quinta-feira