1. António Costa percebeu que o imobilismo é uma forma de valorização política rentável. É como aqueles prédios que, pela circunstância de estarem num sítio estratégico das cidades, valem sempre mais do que os outros, independentemente da conjuntura económica. Na política, acontece o mesmo com Costa. O primeiro-ministro está valorizadíssimo por se encontrar na confluência onde desaguam as esquerdas e as direitas e decidiu utilizar esse ativo, mas não para governar. Preferiu gerir em benefício próprio a sua cotação de mercado junto dos partidos políticos, das forças sociais, do Presidente Marcelo e, sobretudo, dos portugueses que o têm como o referencial de equilíbrio.
E se bem o pensou, melhor o fez. É que, findas as reposições e restituições, Costa optou pelo maior imobilismo governativo possível. Percebendo que os portugueses fogem das reformas estruturais como o diabo da cruz (e com muita razão, porque as que foram feitas foram uma desgraça), Costa governa através de anúncios e proclamações, e com o mínimo de atos.
Vejam-se situações como as do Infarmed, do aeroporto do Montijo e, ainda na semana passada, duas pérolas demagógicas (a ideia de limitar o número de vagas nas universidades de Lisboa e do Porto para radicar alunos no interior) e outra absolutamente patética (o anúncio de que ia haver uma brigada de inspetores de Finanças para fiscalizar os contribuintes que declaram mais rendimentos, quando o que deveria haver é uma equipa para apanhar os ricos que não pagam). Mas é assim, ao jeito de papas e bolos para tolos, que vai avançando. A única medida governativa de política que se viu a António Costa foi mandar cortar as árvores e flora potencialmente incendiáveis, embora tudo a mata-cavalos e sem grande racionalidade. Mas antes isso do que deixar andar, como até agora. Já quanto a pagar as indemnizações às vitimas e lesados, é mais bolota de boca.
Claro que Costa mostra inteligência com esta tática política imobilista, empurrando com a barriga eventuais choques negativos. Pudera! A economia vai andando graças aos pequeninos, porque as grandes empresas ou já não existem, ou são bancos e perdem dinheiro. As ricas e chorudas estão em mãos estrangeiras, exportando os lucros feitos por cá, depois das reformas Passos/Portas/troika que se seguiram à bancarrota Sócrates/Teixeira dos Santos.
Sentado na sua cadeira de sonho, Costa tem hoje o PS totalmente domesticado, conta com o beneplácito de Marcelo e tem o apoio do Bloco e do PCP, que se limitam a rosnar para obter uns cobres para os seus clientes em troca da estabilidade política e da paz social. Ainda por cima tocou-lhe agora um PSD mais disponível para um diálogo construtivo e patriótico, o que lhe permite uma gestão quase completa do leque político. Sobra o CDS de Cristas, que aproveita para se afirmar.
Com uma conjuntura tão boa, outro primeiro-ministro aproveitaria para fazer coisas verdadeiramente importantes e necessárias, como mandar o Estado pagar a tempo a quem deve para diminuir o valor das faturas, que são sempre agravadas por quem tem de esperar mais de um ano para receber. Poderia ainda tentar salvar o Serviço Nacional de Saúde, melhorar a qualidade da segurança social, suprir as falhas da justiça, diminuir a poluição, tentar mudar o sistema político ou investir na dessalinização para evitar a seca que nos vai matar. Mas não. Costa prefere ir falando com este e com aquele e esperar que chova muito…
2. O que se passou no grupo parlamentar do PSD com a eleição de Fernando Negrão foi repugnante. Viu-se o pior da política. A falta de coragem, de ética e de valores que pode levar a que haja gente que nem na lista de que faz parte tenha votado. Impressiona a cobardia de não ter havido ninguém que tenha dado a cara por uma candidatura alternativa. Isso, sim, era de homem ou de mulher a sério. Tantos evocam Sá Carneiro, mas poucos seguem os seus exemplos de coragem. Negrão, esse, tem, apesar de tudo, a legitimidade politica e jurídica. Falta ver se tem qualidade de liderança e estofo para ser o rosto da oposição quinzenal a Costa no parlamento. O primeiro embate é hoje e é essencial para a sua afirmação.
3. Noticiou-se e não se desmentiu que Rui Rio vai apostar numa solução que passa pela constituição de algo como um governo-sombra com responsáveis setoriais. É, pois, oportuno recordar que as experiências desse modelo, nomeadamente lá fora, não foram normalmente bem-sucedidas. No caso do PSD há fortes razões para ponderar muito bem a matéria, pois entre os membros da comissão política, destacados autarcas, dirigentes parlamentares e putativos membros do tal governo-sombra (sem falar da oposição interna) surgirão inúmeras oportunidades para os média e os adversários políticos irem explorando contradições que fatalmente existem num partido ideologicamente indefinido e ainda fragmentado, num momento em que pouco falta para se entrar em clima pré-eleitoral.
Jornalista