António Simões é um daqueles homens que caminha pela vida do lado esquerdo. É no lado esquerdo que se instalam os rebeldes, é por aí que vão cumprindo o seu percurso.
Ele jogava lá do lado esquerdo no Benfica, na seleção dePortugal.
E como jogava, o António Simões!
Ele e Eusébio, Coluna, JoséAugusto e Torres. Uma espécie de linha avançada em forma de poema sem métrica.
Num livro que publicou, chamado “Personalidades e Reflexões”, fala de tanta gente com a qual se foi cruzando no seu mundo largo de muitos anos vividos longe deste portugalzinho que é, na maior parte do tempo, aquilo que o mar não quer, como dizia Ruy Belo.
Fui buscar Simões por causa de Hagan.
Hagan, James Hagan.
Jimmy para toda a gente.
Cumpriram-se ontem 20 anos sobre a sua morte: 26 de fevereiro de 1998.
Nasceu em Washington, não Washington DC, mas Washington, County Duhram, Inglaterra, no dia 21 de janeiro de 1918.
Em 1970 chegou a Lisboa pela mão do presidente do Benfica, Borges Coutinho. Tinha treinado o Peterborough e o West Bromwich Albion. Ficou em Portugal até ao fim da sua carreira.
Afirma Simões: “Os efeitos foram bem visíveis logo no primeiro dia dos trabalhos: alguns colegas vomitaram, haviam tomado o pequeno-almoço em cima da hora do treino, não aguentaram o começo violento. Hagan mostrou-se indiferente e o preparo prosseguiu com os mais resistentes”.
A dureza dos treinos deHagan ficou para a lenda do futebol emPortugal.
Tal como a sua expressão favorita: “No comments!”
Não era homem de palavras. Era homem de acção.
Conta Simões contando Hagan: “Senhores, recolher aos quartos, treino às dez horas, dormir bem”.
Era firme, decidido, inflexível.
E, no entanto, fora um jogador de requinte. Interior-direito no Liverpool, no DerbyCounty, No Sheffield United. Em Sheffield manteve-se vinte anos.
“One of the finest British football players of his era. A two-footed inside forward with an astonishing repertoire of tricks”, escreveu Barnard Roger em The Jimmy Hagan Story.
A história de Hagan no Benfica é bem conhecida de todos os que se interessam por futebol. Três épocas, três campeonatos conquistados. O de 1972-73 foi extraordinário: venceu 28 dos 30 jogos da competição. Cedeu apenas dois empates. Conseguiu o registo espantoso de 23 vitórias consecutivas. Isto é: foi ganhando sempre até o campeonato estar decidido e o Benfica ser matematicamente campeão. Depois deu-se ao luxo de abrandar.
Hagan interessou-me sempre mais pela sua vertente de homem do que técnico. Claro que houve a sua saída intempestiva doBenfica por se sentir desautorizado após ter proibido Humberto Coelho eToni de participarem na festa de despedida de Eusébio. E a sua passagem efémera pelo Sporting, a Taça dePortugal ganha ao serviço doBoavista e a sua paixão pelo Estoril.
Simões outra vez: “Os nossos organismos habituaram-se àquela mudança brusca, de grandes implicações no plano físico e mental. Ali começou uma relação agreste e, algumas vezes, intempestiva, até de confrontações pontuais, ainda que no domínio da razoabilidade”.
Talvez tenha sido sempre mais um preparador físico do que um treinador. Dava-se ao luxo de anunciar a equipa que seria titular e, sem a habitual preleção antes do encontro, reduzir o discurso a: “Senhores, correr, correr muito, autocarro sai à uma e meia”.
Era a tática: correr, correr muito, correr mais do que o adversário durante mais tempo.
Simões ainda: “Eu, como capitão, dizia – malta, vamos jogar à nossa maneira, num 4.3.3, importa é dar cabo deles bem cedo antes que os índios comecem a assobiar”.
E depois apareciam as queixas em forma de anedotário: “Se chego à Luz com 10 minutos de atraso não vejo os primeiros três golos”.
Jimmy Hagan não perdia a compostura, não virava cara à modéstia.
Era exigente até ao exagero.
“Ensinou-nos que a profissão de futebolista, para mais no Benfica, era muito mais dura do que estávamos habituados. Apesar dos seus conceitos ortodoxos, deu-nos liberdade para gozarmos um futebol bonito”. Deixou um nome que não se esquece.