Na semana passada escrevi sobre a importância de os meios de produção de cidade serem democratizados, isto é, serem colocados ao serviço da maioria, escapando ao jugo tendencialmente monopolista dos mercados. Procurei defender que a exigência de um Estado mais robusto não chega e que é necessário fazer emergir movimentos de base que tomem nas suas mãos os meios de produção de cidade. Os principais desafios são: organização e financiamento.
A “Granby 4 Streets” é um exemplo de enorme impacto. Numa zona degradada de Liverpool, os vizinhos organizaram-se para desenvolver um projeto de “community land trust” (CLT) – sistema de crédito comunitário – que permitiu reabilitar as quatro ruas. Com uma equipa técnica de apoio constituída pelo coletivo Assemble, o processo ganhou ainda maior visibilidade depois de vencer o reputado Prémio Turner para Artes Visuais de 2015. Na sequência do projeto de Liverpool, o mayor de Londres, Sadiq Khan, disponibilizou dois lotes de terreno para o desenvolvimento de projetos de CLT e, no mês passado, o governo conservador anunciou a criação de um fundo para desenvolvimento de projetos comunitários de habitação, disponibilizando centenas de milhões de libras para o efeito.
Mas as CLT não são a única solução. Em vários países têm-se constituído instituições de banca ética (ao que parece, proibidas em Portugal), espaços de apoio a iniciativas cidadãs e movimentos de associativismo/cooperativismo a diversos níveis. A vantagem financeira destes projetos, por oposição aos dos mercados imobiliários tradicionais, é que o seu principal objetivo não é nem a criação de mais-valias financeiras e lucros nem a acumulação de propriedade. Do ponto de vista do interesse público, quando bem estruturados e ancorados na produção do bem comum, dinamizam a economia local, criam emprego estável e resultam em operações urbanas sustentáveis no tempo e na escala (não dependentes das flutuações de mercado). Mais, a sua constituição não está condicionada a um interesse exógeno, mas a um movimento endógeno do território, pelo que encontra em qualquer espaço habitado um potencial transformador.