Pela sala do tribunal onde está a ser julgado o caso Fizz, no Campus da Justiça, em Lisboa, passaram esta semana funcionários, responsáveis e administradores do Banco Privado Atlântico, do Millennium BCP e do ActivoBank. Houve os que desmentiram arguidos, os que admitiram que o crédito ao procurador Orlando Figueira foi concedido com poucas garantias reais, os que não souberam decifrar siglas como PCA e os que elogiaram o ex-procurador.
Barosa, o gestor de Figueira
«Qualquer magistrado que chegue ao Banco Privado Atlântico e peça um empréstimo sem dar garantias, o banco defere?» A pergunta foi feita segunda-feira ao início da tarde pelo coletivo a Vítor Barosa, antigo gestor de conta de Orlando Figueira. Em causa está o facto de a acusação defender que o antigo magistrado recebeu um empréstimo de 130 mil euros para camuflar a primeira tranche das ‘luvas’ que, no total, serão de 760 mil euros, e que tinham como finalidade arquivar processos relativos ao ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente.
Referindo nunca ter visto ou sentido qualquer tratamento de favor, Barosa afirmou que o facto de ser magistrado «aumenta as probabilidades face a um funcionário de outra área».
O que o gestor bancário não conseguiu explicar foi o facto de o banco ter ficado sem possibilidade de agir caso Orlando Figueira não cumprisse as suas obrigações, isto por não terem sido dadas garantias. «Não havia uma consequência direta imediata», admitiu perante o coletivo, referindo que «a consequência era falar com o cliente».
Navarro desmente Blanco
A segunda testemunha a ser ouvida esta semana foi André Navarro, antigo presidente da comissão executiva do BPA, que desmentiu que alguma vez tivesse dito a Paulo Blanco que a ida de Orlando Figueira para Angola estava dependente do arquivamento de um inquérito que visava o banqueiro Carlos Silva. Esta tese foi defendida por Blanco – advogado que representou o Estado angolano – perante o coletivo.
«Nunca disse isso […] A razão pela qual o dr. Paulo Blanco conta essa história, não sei, mas nunca tive qualquer problema com o dr. Paulo Blanco, nem o banco», afirmou.
E foi Navarro quem protagonizou um dos momentos que mais irritou alguns advogados na sala de audiência. Admitindo conhecer Carlos Silva, disse a determinado momento não saber o que significava a sigla PCA, que surgia em notas do banco sobre Orlando Figueira: «Trata com o PCA».
A resposta irritou particularmente a defesa de Paulo Blanco, que deixou claro não ver outra correspondência com «PCA» que não seja «presidente do conselho de administração», cargo que ocupa Carlos Silva. Também não conseguiu explicar o significado de outras siglas usadas.
O que disse a ex-compliance officer
Depois de Navarro foi a vez de o tribunal ouvir Sandra Osório, antiga compliance officer do BPA Europa, que disse recordar-se da transferência de 210 mil dólares por parte da Primagest para Orlando Figueira, referindo que para justificar tal movimentação foi solicitada documentação ao cliente. A acusação defende que este montante fazia parte das contrapartidas acordadas entre os arguidos. O ex-procurador do DCIAP diz, por outro lado, que se trata de um ano de salário adiantado, algo que não surpreende Sandra Osório: «O facto de a pessoa estar a desvincular-se de uma profissão de anos, pode fazer com que seja normal ter o contrato em mão e os salários à cabeça. Vimos outros contratos assim também».
Grande parte da sessão da tarde foi, no entanto, dedicada à transferência de 265 mil euros para Andorra. O dinheiro saiu do BPA Angola para a conta de Andorra, passando pelo BPA Europa, algo que a responsável justificou com o facto de em todas as transferências internacionais serem necessários bancos de correspondência – o do BPA Angola, diz, para a Europa era o BPA Europa.
A acusação diz que «com tal procedimento ficariam diminuídas as possibilidades desses pagamentos serem detetados pelas autoridades nacionais».
Ainda que admitindo a maior dificuldade para o MP de rastrear esse dinheiro como estando ligado a Orlando Figueira, a testemunha disse ser esse o procedimento normal para as transferências internacionais, afirmando desconhecer o porquê de Figueira ter aberto conta em Andorra.
Iglésias Soares admitiu ligação a Proença
O administrador do BCP Iglésias Soares foi ouvido na quarta-feira e admitiu que em 2015 transmitiu ao antigo procurador Orlando Figueira um recado do banqueiro Carlos Silva: era melhor falar com um advogado, sugerindo que ligasse para Daniel Proença de Carvalho.
Tudo começou, disse, após Orlando Figueira o ter procurado por estar a ter dificuldades em receber dinheiro vindo de Angola. Dinheiro que o ex-procurador diz ser referente ao contrato de trabalho que firmou com o banqueiro Carlos Silva e que a acusação diz ser parte das ‘luvas’. O certo é que Iglésias Soares disse ter recebido indicação do banqueiro para que sugerisse o nome de Proença de Carvalho (seu advogado) a Orlando Figueira (ver texto ao lado).
Isabel Raposo e Nelson Machado elogiam Figueira
A sessão de quinta-feira foi dedicada aos depoimentos de Isabel Raposo, diretora de Orlando Figueira no departamento de compliance do Millennium BCP, e Nelson Machado, presidente do ActivoBank. Ambos disseram não ter nada a apontar a Orlando Figueira. Ainda que Isabel Raposo tenha destacado umas suspeitas de fugas de informação do banco para a imprensa. Fugas que Iglésias Soares disse terem estado na origem da transferência de Figueira do BCP para o ActivoBank, facto que Raposo desconhece.
Machado também elogiou Figueira, dizendo que a sua contratação não era uma necessidade mas que, após este lá chegar, ficou satisfeito com o desempenho.
Esta semana o tribunal designou três dias de março para ouvir presencialmente Carlos Silva, que já disse estar disposto a depor, mas por videoconferência.
Chamadas para Proença
Foram várias as vezes em que o antigo procurador Orlando Figueira ligou para o escritório do advogado Daniel Proença de Carvalho entre 2015 e 2016. Registos telefónicos a que o jornal i teve acesso revelam que entre chamadas feitas e recebidas houve pelo menos 30 contactos.
Os extratos de todas as chamadas de Figueira (entre 17 de fevereiro de 2015 e 17 de fevereiro de 2016) foram pedidos pela investigação à operadora móvel e reforçam as anotações pessoais do procurador, apreendidas no seu telemóvel, e que dão conta de 10 supostos encontros (entre 5 de maio de 2015 e 14 de setembro de 2017) com Proença de Carvalho – advogado de Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico e vice-presidente do BCP.
Segundo os dados que os investigadores do DCIAP reuniram, Orlando Figueira contactou a 27 de abril de 2015 o número fixo do escritório de Proença de Carvalho – a ligação foi registada numa antena do Tagus Park, Oeiras, onde fica o Millennium BCP em que trabalhava Figueira após sair do DCIAP.
No mês seguinte, no dia 4, surge um novo contacto, desta vez do telemóvel do escritório do advogado para o antigo procurador. Na agenda do telemóvel de Figueira, consta a marcação de um encontro com Proença para o dia seguinte.
A 19 de maio são várias as tentativas de contacto para o telemóvel do escritório Uría Menéndez, até que Figueira liga para o fixo e a duração da ligação não chega a um minuto. A chamada foi feita perto das 13h na Rua Andrade Corvo e, cruzando isso com a agenda do telemóvel do ex-procurador, noticiada esta semana pela TVI, verifica-se que estava marcado um dos encontros para as 16h desse dia. A 25, 27 e 28 de maio são feitas e recebidas por Figueira várias chamadas para o telemóvel do escritório do advogado. Também nestes dias, a agenda regista duas reuniões.
A 29 de maio Orlando Figueira volta a ligar para o número fixo do escritório de Proença de Carvalho – o procurador estaria na marginal de Paço de Arcos. Também se verifica neste dia uma chamada do número de telemóvel da Uría Menéndez para Figueira.
A partir daqui há registos de ligações dos dois lados: a 11, 16 e 24 de junho, bem como a 27 e 29 de julho. Uma das últimas chamadas foi feita a 25 de novembro de 2015 por Orlando Figueira para o número fixo, estava no Tagus Park e a conversa durou perto de um minuto e meio. A 30 de novembro há um outro registo, desta vez uma chamada do número móvel do escritório do advogado para o ex-magistrado. Logo após estas chamadas foi feita uma outra, a 23 de fevereiro de 2016 (dia das buscas). A escuta dessa chamada, noticiada pelo SOL, mostra o antigo procurador a pedir a colaboração do advogado. Proença respondeu que poderia ser mais útil se não fosse seu advogado. Após isso, Figueira viria a encontrar-se com Daniel Proença de Carvalho, que acusa de o ter tentado silenciar pagando-lhe a defesa do advogado Paulo Sá e Cunha e prometendo um trabalho futuro.