O congresso do PSD ficou aquém de outros encontros magnos do passado, pelo menos no que a cenografia e emoções diz respeito. O modelo das eleições diretas prévias tirou a imprevisibilidade nos atos e a surpresa nos protagonistas. As táticas ficam para a composição das listas concorrentes aos órgãos estatutários e os militantes apenas se concentram na sala para ouvir os mediáticos, deixando correr o marfim para os restantes. A reunião de 2018 foi capaz de mostrar como, mesmo com a habitual parafernália de acompanhamento da comunicação social, a política se mediatizou ao ponto de ignorar pura e simplesmente quem não é por não aparecer e ser nos monitores das televisões e dos computadores. Por isso foi mais importante apanhar esta ou aquela “cara” para entrevistar à entrada ou à saída e ver os posts e os likes nas redes sociais do que destacar este ou aquele ponto deste ou daquele pensamento exposto e sobre ele ou eles refletir. E o PSD tem ou pode recrutar das melhores cabeças na política, assim saiba aproveitá-las… Portanto, o fim de semana deu-nos um retrato da vida político-partidária que temos, exponenciado num grande partido de poder e de governação. No entanto, com tanta caricatura à procura de uma câmara, há sempre algo mais para além da espuma após a desmontagem do palanque.
Rui Rio incomoda, até porque vem de “fora” – e a “corte” (interna e externa) rapidamente deu de si, com os “hackers” e os “snipers” bem treinados e ciosos da função.
Rui Rio terá uma sombra, desde que se queira ver a fundo a névoa, e não é Montenegro (!): chama-se Pedro Passos Coelho, que encontrou o seu lugar na galeria dos imortais do partido, partido esse orgulhoso e grato como nenhum outro.
Rui Rio gosta de tensão e conflito para vestir a armadura – e os “comuns” não compreendem que o desprezo e o menosprezo dos “golpes” sejam arma contra a mossa.
Rui Rio é conhecedor e fiel ao “sá–carneirismo” (que, juntamente com muitos dos contributos dos intelectuais de origem do PPD, é a base da social-democracia adaptada à estrutura social portuguesa) – e custa ouvir e interiorizar os princípios quando outros “valores” se levantam.
Rui Rio quer o CDS como parceiro natural – mas o CDS precisa sempre mais de um PSD forte do que o contrário, o que pode ser autofágico e nefasto para a intenção.
Rui Rio conta com Marcelo – conhecem-se demasiado bem para se surpreenderem e não contarão com deslealdade.
Rui Rio não se perturba com 2019 e quer encostar o PS até às legislativas com “compromissos” e “acordos” – e António Costa sabe que esse é o maior perigo que este ciclo comporta, que pode tornar infernal a sua vida depois de 2019 e tornar pírrica a sua previsível vitória como primeiro-ministro.
Rui Rio sabe que o seu grande adversário não é verdadeiramente o PS – os seus grandes adversários são todos os que votam na convicção de que o PS é o partido “central” que garante a acumulação de um certo poder (desde o funcionalismo público até aos sindicatos), a distribuição de um certo tipo de rendimentos e a conservação de um certo “estado de coisas”; é para eles que vai virar as agulhas e apostar as fichas, chame-se isso “centro” ou qualquer outro estado de alma.
Aos defeitos, resistências e escolhas, todos voltarão mais tarde. Do congresso saiu um homem que deseja deixar a sua marca. E isso incomoda sempre, e muito. Como se verá.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira