Crónica sobre imperativonacional do regresso ao passado


Mas é aqui que Portugal – aquele país que vai invocar para sempre os princípios do 25 de Abril, mas que matou entretanto os do 25 de Novembro – se revela normalmente reaccionário e conservador


Quem assista ao percurso político dos partidos portugueses do pós-troika (denominação relativamente benevolente a estranhamente absolutória, do pós-resgate e da pré-falência) não pode deixar de ler Portugal como um país profundamente conservador e reaccionário.

É inquietante, aliás, a forma como as referências políticas usadas no debate partidário se centram na alegada (sádica e gratuita) imposição de políticas austeritárias aos desvalidos – sem que as mesmas fossem, de alguma forma, a consequência inevitável do despesismo megalómano e criminoso que duplicou a dívida pública e a levou a valores inauditos e, já agora, impagáveis.

Este discurso, que agrada à doutrina oficial, e que, porventura só a espaços (e já depois dos incêndios) o Presidente da República ousa contrariar, apagou por alguma razão uma legislatura inteira cujos efeitos virtuosos, contrariamente à da legislatura anterior, ainda se fazem sentir.

Em termos de disrupção – considerando as especiais circunstâncias em que o país se encontrava – é provável que uma vez consolidada a democracia, nenhum outro governo tenha feito em Portugal reformas tão importantes e duradouras como as que em situação de resgate o anterior governo promoveu.

É inegável que atentas as circunstâncias – e também algumas das opções de fundo tomadas e que são umas discutíveis e erradas, outras – todo esse período foi marcado por tempos difíceis e de sacrifícios e que muito custaram a muita gente.

Mas será preciso procurar nas muitas legislaturas da democracia, outra que, vinda da situação em que começa, acabe quase no fim da legislatura seguinte, a propiciar crescimento económico resultante das políticas implementadas.

Num cenário destes, o normal seria que o governo que conduziu o país através deste importante e vencedor percurso, ganhasse as eleições, e governasse, ainda, para colher os frutos do tal ciclo virtuoso criado.

Mas é aqui que Portugal – aquele país que vai invocar para sempre os princípios do 25 de Abril, mas que matou entretanto os do 25 de Novembro – se revela normalmente reaccionário e conservador.

Nesta altura da legislatura é absolutamente notável – e a espaços trágico – perceber-se a forma como, por exemplo, o PCP de “deu à morte” vendendo-se por um prato de lentilhas, chamado educação e transportes, ajudando a aplicar o mais draconiano programa de contenção de despesa pública e redução de investimento público a que este país alguma vez assistiu.

No seu afã de impedir os vencedores das eleições de governar, o PCP sofreu – aparentemente sem remorsos, como é sua matriz – a maior e mais histórica derrota autárquica dos últimos anos, se não de sempre.

E fê-lo, sobretudo para não permitir mais reformas e reverter outras tantas, ou seja, de forma reaccionária como convém aos conservadores.

É em tudo idêntico o percurso do BE, se atentarmos a que é com o seu apoio que, entre outros, – ressalvadas as (segundo os próprios importantes e fundamentais) vitórias que têm tido nos temas fracturantes que os entretêm – se conseguiram deficits orçamentais históricos na execução dos orçamentos que aprovaram, e que o PS cativou, mas que agora dizem que não acompanharam.

Ao fazê-lo, e conservadoramente, passaram a ser uma pálida memória do partido de protesto e da reserva moral do sistema que era sua matriz.

Mas não foi só aqui que os conservadores se manifestaram, quem olhe para os resultados do congresso do PSD não pode deixar de reconhecer uma linha de pensamento que invoca um passado algo serôdio e que se revê no modelo económico e social do antes da crise, que nos traz à memória ideólogos (a espaço críticos do seus) como foi Rio, Ferreira Leite, Pacheco Pereira, mas também Irina Fraga, entre tantos outros.

Há qualquer coisa, para mim, no revisitar deste modelo estafado que não traz saudades nem augura grandes esperanças de mudança ou qualquer dinâmica de vitória.

Da geringonça como neste PSD saído do Congresso, fica a ideia de que todos comungam da visão conservadora de Tomasi di Lampedusa no “Il gattopardo” (O Leopardo) de que tudo deve mudar (eu acrescentaria o apenas) para que tudo fique como está.

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990