Um dia de inverno, fevereiro, frio e ensolarado, céu azul e mar azul, perfeito! De passeio, tranquilamente, pela margem direita do Douro – no Porto, portanto – a demorar os olhos no rio – naquele dia também ele azul – cada vez mais espaçoso ao adivinhar a foz. Estamos em Massarelos, perto do antigo estaleiro do Ouro, devidamente assinalado, e do local de observação de pássaros, pequeníssimas ilhotas de vegetação meio espinhosa onde a passarada comparece em revoadas. É o Porto castiço, de sotaque cerrado, nas lides diárias a fazer pela vida: ele são restaurantes, tabernas, esplanadas, e turistas aos molhos. Até o arrumador do parque de estacionamento, aprumado no seu colete oficial, de pronto desenrola conversa, não poupa críticas, filosofa – vox populi, vox dei! E a Ponte da Arrábida, solene, a marcar presença. Mais adiante, na Foz, é o mar que nos detém o olhar, porque olhar o mar nunca cansa! Rio e mar, cada qual a seu jeito, que ambos são dados a humores, vestem-se a contento da disposição. E naquele dia, também o mar azul – não o do céu, mais claro -, muito sossegado, apenas às risquinhas brancas, muitas, junto à praia de areia alisada pelo vento, pintalgada pelas pegadas das gaivotas. Povo e elementos em harmonia.
Harmonia contrariada pelos senhores que, indiferentes ao povo, e convencidos de que só a eles o país pertence, nela se entretêm a fazer rasgões. Foi o caso do dirigente de futebol que, perante uma plateia obnubilada pelos vapores clubísticos, se permitiu apelar ao boicote à imprensa que redundou em agressões a jornalistas. Como se a má imprensa, que a temos, se resolvesse com bofetões, e logo vindo dali… Mas o fim de semana haveria ainda de ser notícia não pelos melhores motivos. Um encontro de adeptos de clubes nortenhos rivais cuja estúpida rivalidade antiga, absolutamente irracional, desaguou em desacatos, feridos e carga policial. Mais elaborada cenicamente e com pretensões a acontecimento nacional foi a festa temática laranja a que o PSD se entregou, com requintes de faz-de-conta. O tema era “a noite das facas longas”, mas poucas foram as facas que se mostraram, embora todos saibamos que foram muitas as que foram à festa, sem contar com as que ficaram cá fora. Se no jogo partidário, e/ou no confronto direita-esquerda, pode haver quem aposte no quanto-pior-melhor, no tabuleiro da democracia saem todos a perder. Só se joga xadrez com pedras de duas cores, pretas e brancas. Não há lugar a meias-tintas.
Contra ventos e marés, o país prossegue o seu caminho, e os portugueses, mais descontraídos, seguem na labuta do dia-a-dia agradecendo que não lhes espalhem pedregulhos no caminho. É como o refrão da chula: “Pra melhor está bem, está bem/ pra pior já basta assim”.
Dia 20 de fevereiro, Dia Mundial da Justiça Social, segundo decisão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, boa ocasião para relembrar o relatório do Observatório das Desigualdades, “Redução da desigualdade e da pobreza”, publicado em 06/12/2017, donde, à guisa de conclusão, se transcreve: “(…) constata-se que a taxa de pobreza ou exclusão social, em 2017, afeta quase 2,4 milhões de pessoas em Portugal (23,3%, menos do que no ano anterior).” Bom? Nem pensar! Pra pior, já basta assim.
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