Nuno Morais Sarmento tocou num ponto curioso no seu discurso do congresso do PSD: se Marcelo fosse do PS e aquele fosse um congresso do PS, cantar-se-iam hossanas em modo contínuo. O agora vice-presidente de Rio reconheceu que “por pudor ou por vergonha”, o PSD não faz nada e alheia-se da figura do Presidente da República, que é apenas a mais popular do país.
Isto, é verdade, nunca aconteceu no Partido Socialista durante e depois dos mandatos presidenciais de Mário Soares e Jorge Sampaio, que sempre tiveram lugar de honra nas homenagens e nos discursos. Neste fim de semana, na FIL velha, sobre Marcelo, nada, com a exceção de Morais Sarmento, que sugeriu que “a legitimidade única” do Presidente, com a ligação com o povo que conseguiu, deveria patrocinar os acordos de regime que a nova direção defende. Às palavras de Morais Sarmento, o povo laranja respondeu com uma indiferença digna de nota.
O que se passa então? É verdade que o PSD votou Marcelo apesar do contragosto do anterior líder, Pedro Passos Coelho. Mas nestes primeiros dois anos, o mandato de Marcelo, que manteve uma grande solidariedade institucional com o governo, deixou muitos sociais-democratas irritados. Se a relação do PR com Passos era péssima, com Rui Rio não é melhor – a menos que a audiência de ontem tenha operado uma transmutação nos dois homens. No entanto, também Rui Rio, no discurso de encerramento, ignorou Marcelo. Não, isto nunca se passaria no PS. Os sociais-democratas gostam de se chamar a si próprios “o partido mais português de Portugal”, expressão que sempre teve alguma adesão à realidade.
Vem isto a propósito de alimentarem durante anos ódios infindos, quase passionais. O PS, como qualquer partido, sempre teve divergências internas que acabaram em cortes de relações – como o famoso caso entre Soares e Zenha, para só citar um. Mas o PS é muito mais pragmático. Marcelo não perde com o afastamento do PSD; o partido, sim.