Gastamos os dias com tanta coisa pequena a que damos um tamanho de que não precisa e, sobretudo, que não merece. Raivas, culpas, desgostos, egos, preocupações, rivalidades, exultações, vaidades, jogos e joguinhos, aparências, falsas complicações, et cetera. Tanta energia despendida com coisas que, afinal, significam tão pouco quando postas em comparação com o que é realmente importante. Tanto tempo gasto, tanto espaço ocupado. Mas tudo tão relativo, realmente, quando alargamos o campo de visão e damos de caras com coisas fortes, densas, importantes, incontornáveis. Talvez Albert Einstein, poliédrico como todos os génios, estivesse também a pensar nisso ao formular as suas teorias da relatividade, quer a restrita quer a geral. Talvez tivesse tido em conta, entre tudo o mais, as coisas que merecem todo o tempo e todo o espaço, coisas feitas da massa essencial do que é humano.
Por exemplo, uma doença grave e a reação que cada um consegue ter relativamente a ela. Isso sim, isso é importante, e põe tantas outras coisas no seu pequeno sítio, na sua relatividade. Alguém com quem trabalho de perto, e que é também uma amiga, lida há bastante tempo com uma doença muito grave, e com uma coragem e uma força que poucas vezes testemunhei na vida. De cada vez que estou com ela vejo que outras coisas são tão pequenas, tão ridículas por vezes, e nós tão risíveis com a importância que lhes damos. Outro exemplo, a falta de condições materiais básicas para viver.
Durante muitos anos, todos os dias, estava ao fim do dia, à porta da casa onde eu vivia, um homem que me pedia uma pequena ajuda. E eu dava, todos os dias, uma moeda ou duas, às vezes uma pequena nota, ele sempre delicado, sempre agradecido, sempre criativo no pedido (embora tivesse preferência por aniversários, ora dele, ora de uma alegada filha, que faziam tantas vezes anos no mesmo mês). Sim, bem sei, essa pequena ajuda não resolve as coisas do mundo, mas resolver essas coisas leva tanto tempo, e ele talvez precisasse de comer naquele dia. Sim, bem sei, é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe, mas para aprender a pescar e para o fazer é preciso ter um mínimo de forças e alguma coisa no estômago. Sim, bem sei, se calhar era para o vício, mas que sabemos nós dos vícios de cada um. Tudo tão relativo afinal, fiquemos no essencial.
E o essencial pode também ser uma frase, uma pergunta ou um sorriso de uma criança. E logo colocamos tudo no seu devido sítio. Um sorriso de uma criança, sobretudo se nos for destinado por uma criança que amamos. Isso merece todo o tempo, todo o espaço, dessa massa se faz a vida. Ou uma pergunta, daquelas simples, às vezes tão cruas, como um singelo mas denso “porquê?”, daqueles que nos põem sem palavras. Ou uma frase, como esta, que pertence a uma criança que amo, e que faz por momentos parar o tempo e suspender o espaço: “O meu pai tem as pestanas lindas. As mãos do meu pai são pequenas e gordinhas.” Ponto final. Silêncio.
Escreve quinzenalmente à sexta-feira