Percorre-nos a sensação de um certo Carnaval permanente, não apenas nas máscaras, mas também nas atitudes, nos dizeres e nas propostas, algumas na forma como são apresentadas, com uma inacreditável ligeireza.
Por muito que custe aos incrédulos, que mantêm sintonias com ideologias alinhadas com totalitarismos que esmagam e esmagaram a diversidade local sem apego nem agravo, para um país com a nossa escala, dificilmente poderá haver um futuro com sustentabilidade que não passe pela participação no projeto europeu, a par de uma permanente afirmação das oportunidades do espaço lusófono.
Um projeto europeu como salvaguarda da paz, da livre circulação e da coesão, que esteja minimamente sintonizado com as necessidades gerais dos povos e dos territórios, como antídoto para os nacionalismos, os populismos e os extremismos.
Em Portugal, desde a adesão, a Europa foi vista como um projeto positivo, contribuinte para o desenvolvimento do país, como em qualquer processo com ganhos, perdas e oportunismos catalisados pelo chico-espertismo, pela ânsia em quase matar as galinhas de ouro sempre que elas existem, e pelo débil funcionamento do sistema de justiça na restauração do sentido cívico e comunitário. Foram anos em que os aspetos positivos se sobrepuseram aos negativos, até que surgiram as medidas de severa austeridade imputadas à vontade da troika, em que parte da responsabilidade da vergastada foi redirecionada para as instituições europeias. Este quadro de severidade, a par de vários fenómenos negativos no processo de construção europeia e na conjuntura internacional, sobretudo ao nível da incapacidade de agir perante as realidades, reconfigurou a perceção popular, impondo o senso de que as questões europeias, quando tratadas por quem se afirma europeísta, sejam enquadradas de forma a ser explicado o sentido das propostas e dos passos a dar.
Apresentar a frio três propostas de novos impostos europeus para as transações financeiras, a economia digital e a economia verde, sem as enquadrar, é uma irresponsabilidade política que alimenta a perceção negativa ainda emanada da fase da tutela presencial da troika, gerando oportunidades de afirmação pública para os populismos à esquerda dos parceiros de solução governativa e ao euroceticismo recalcado do CDS-PP.
Apresentar três propostas requentadas, que já são discutidas desde setembro de 2017 nas instituições europeias, sem assegurar um mínimo de convergência com os europeístas nacionais, quando o quadro de adversidade em relação à Europa entre os partidos que sustentam o governo é uma evidência, projeta-se no domínio do abuso da sorte política.
Já tinha sido assim com a adesão ao mecanismo europeu de defesa comum (PESCO – Cooperação Estruturada Permanente).
Foi o que António Costa fez. Foi um mau serviço a Portugal e à Europa. É que não basta imputar à Europa todas responsabilidades quando as coisas correm mal, também é preciso ter noção de que tem havido margem de compromisso para que os resultados conquistados sejam atingidos, num quadro de jogo duplo entre o compromisso europeu e a folga para a austeridade light. Essa flexibilidade europeia para a consolidação de um bom exemplo de pós-austeridade justificava redobrados cuidados na apresentação da necessidade de aprofundar a fiscalidade europeia. É que há todo um caminho de recuperação da imagem e do projeto europeu que é preciso percorrer com senso, sustentabilidade e sintonia com a realidade.
Três “esses” que teimam em andar alheados de quem está na política ativa. E não será apenas com uma boa estratégia para o quadro comunitário de apoios após o Portugal 2020 que se conseguirá reverter o passivo acumulado na perceção popular durante os anos da troika. Sobretudo num quadro cada vez mais pré-eleitoral em que se expressam sem pudor contra quase tudo o que vem da Europa os mesmos que em tudo convergem com os regimes que, na atualidade e na História, oprimiram as diversidades e os nacionalismos. Para esses será tudo uma questão de latitude e de sinal político, quando o que está em causa terão de ser sempre princípios e valores direcionados para o desenvolvimento, a coesão e o respeito pela diversidade das identidades, das necessidades e das ambições.
Enquanto assim for, tudo será normal, mesmo quando é Carnaval. É todo o ano. Ninguém leva a mal. Eu levo.
NOTAS FINAIS
CAI A MÁSCARA
Aproxima-se o início da hora H de Rui Rio. O momento da verdade sobre se o valor facial corresponde ao valor real quando projetado numa responsabilidade nacional de construir uma alternativa, quando existe um passado de convergências com o primeiro-ministro. Momento de começar a avaliar como vai construir um discurso político no presente e para o futuro, sem que o histórico da governação de Passos Coelho surja como o fantasma do Natal passado.
SERPENTINAS
A escala territorial do país foi mais uma vez irrelevante na conquista de um título europeu: Campeões Europeus de Futebol de 11 e agora de Futsal. Mesmo sem a referência do melhor do mundo (Ricardinho) em boa parte da final, tal como em Paris, o conjunto conseguiu o resultado desejado. Mais um título, mais um exemplo de como o talento e a sorte dão muito trabalho. Parabéns.
AINDA O TEJO
Cresce a consciência social para os problemas, do Tejo à floresta, passando pelo risco sísmico. Só falta passar à concretização eficaz essa nova realidade. Na floresta, está em curso. E no Tejo também. Ainda sobre o resgate da ligação ribeirinha dos territórios entre Vila Franca de Xira e Lisboa, nota da existência de projeto municipal para os seis quilómetros da frente de Loures. Aguarda a autorização do Ambiente. Que seja mais célere que a resposta da entidade ambiental à rutura do dique do mouchão da Póvoa.
Militante do Partido Socialista, Escreve à quinta-feira