Por estes dias assistimos a dois fenómenos distintos e que contrastam de forma caricata, atendendo aos fatores e argumentos que ladeiam cada um.
Por um lado, tivemos o pânico nos mercados financeiros da passada segunda-feira, com o afundanço de Wall Street, e o já habitual contágio às restantes praças mundiais. Por outro, assistimos à preocupação generalizada com o fenómeno das criptomoedas e a crescente desvalorização das mesmas.
Passam dez anos desde a maior crise financeira que há memória (para a minha geração) e a sensação que tenho é que nada, rigorosamente nada, se fez para evitar outra. A prova é a volatilidade e incoerência com que os mercados bolsistas oscilam. As razões são, quase sempre, opinativas, hipotéticas e, claro, especulativas. Quando existem factos reais, então aí já não são oscilações e damos de caras com uma verdadeira crise, que deixa de ser financeira e passa a ser económica, como o subprime em 2008.
É precisamente nessa altura que aparece o fenómeno das criptomoedas com a criação da bitcoin, a mais famosa de todas, alicerçada em tecnologia blockchain que, até prova em contrário, não permite brincadeiras especulativas e, sobretudo, afasta intervenções intermediárias maliciosas.
Não se lhe deu grande importância, é certo, assim como, na verdade, também a regulação dos mercados financeiros não passou de uma miragem – muito embora, à data, tenha sido um “ai Jesus que temos de regular mais”. A verdade é que as criptomoedas foram ficando, crescendo e diversificando-se.
E captaram a atenção de grandes grupos financeiros que trataram de se imiscuir no circuito, mas como, ao que parece agora, não o conseguem controlar, as criptomoedas começam a incomodar muita gente. E começam a incomodar quem, para mim, nestes dez anos que passaram desde a crise de 2008, nada fez para efetivamente regular os mercados financeiros.
Agora é um “Deus nos acuda”, com vários bancos centrais e governos muito preocupados com a sua regulação, com o impacto ambiental da sua mineração e classificando-as já como um esquema de Ponzi.
Ao lado, o “regulado” mercado financeiro oscila de um dia para o outro sem razões factuais visíveis, mas claro, é normal, são os ajustamentos do mercado e a reação dos investidores – dizem.
Pois a mim, não querendo ter a presunção da assertividade, faz-me alguma confusão todo este histerismo em torno de um fenómeno que, para quem trabalha no setor das comunicações e do ICT4D, tem toda a razão de ser e por diversos motivos, como, por exemplo, permitir o acesso ao sistema financeiro de quem não tem uma conta bancária.
Faz-me confusão também que se conteste um ecossistema e uma tecnologia que impõe um modelo justo e sem intermediários na distribuição de rendimentos ou processamento de pagamentos. Percebo que incomode muita gente, mas não percebo que não se tente compreender e aproveitar os seus benefícios.
Em suma, o que se pode dizer dos dois fenómenos acima mencionados é que o suposto reforço da regulação dos mercados financeiros depois de 2008 resultou numa mão cheia de nada e na continuidade da anarquia do sistema. No caso da necessidade de regulação das criptomoedas, bastaram apenas umas ameaças e o resultado foi uma desvalorização considerável das mesmas. Não sei a quem interessa esta tentativa de travar uma das principais peças da economia digital, mas às pessoas, aquelas que sofrem na pele a desregulação financeira, não é certamente. Acredito ainda que países em vias de desenvolvimento, mais expostos à especulação e volatilidade financeira, deveriam talvez ser os primeiros a querer defender a tecnologia blockchain.
Especulações à parte, os governos devem estar atentos e encarar as criptomoedas como uma ferramenta viável e, sobretudo, preservá-las dos movimentos especulativos e voláteis dos mercados financeiros.
Escreve à quinta-feira