Ao invés do poema de Fernando Pessoa, através de Alberto Caeiro, o Tejo é mesmo o mais belo rio que corre pela minha aldeia. O problema é que quem está ao pé dele, como acontecia com o rio da aldeia de Alberto Caeiro, não está apenas ao pé dele, confinado à sua singularidade, antes interage com o curso de água com sintonia, indiferença ou uma persistente agressão.
Nascido em Vila Franca de Xira, o Tejo é mesmo o rio da “minha aldeia”, como o seria se tivesse em conta a vivência intermitente, mas marcante, em Alverca do Ribatejo ou a passagem por Abrantes. O problema é que o rio das “minhas aldeias” está há anos a acomodar a errática realidade da falta de civismo e do laxismo estatal na intervenção e na fiscalização das interações, enquanto se vão dando alguns passos no sentido de melhorar o tratamento dos efluentes urbanos e industriais. A verdade é que a pressão humana sobre o rio aumentou, a par de uma certa resignação servil em relação a Espanha no que respeita à defesa efetiva de caudais mínimos, já para não falar na questão da central de Almaraz e do miserável “agarrem-me senão vou-me a eles” para depois recuar em Bruxelas e nas reuniões bilaterais. Também não é menos verdade que em Portugal se gosta de fazer leis a torto e a direito sem cuidar da fiscalização da sua efetiva observância. O rio das “minhas aldeias” padece da conjugação de uma série de agressões continuadas em que a selvajaria impune, as barragens para produção de energia, os assoreamentos e o desleixo na preservação ambiental são fatores contabilizados.
A verdade é que quando é chamado a intervir, o Estado raramente age, limitando-se a reagir. Não se tratando de fonte direta de receita, de cobrança de impostos ou de aumento do alfobre orçamental, não há interesse relevante para a ação ou para a reação. Só assim se justifica que dois anos depois do alerta do Município de Vila Franca de Xira sobre a rutura de um dique de um dos mouchões (o da Póvoa) do Rio Tejo, a intervenção dos responsáveis ambientais ainda não se tenha concretizado, com irrecuperáveis impactos ambientais no ecossistema de água doce existente na ilha, rodeada de água com níveis de salinidade. São dois anos de contaminação perante a indiferença e, depois, tranquilidade das instâncias do poder central. A diferença é que o mouchão da Póvoa fica no meio do Tejo e a poluição em Abrantes estava compactada e junto às margens. Estava mesmo à mão de uma filmagem e contou com uma militante persistência que tornou a denúncia incontornável à projeção mediática e consequente existência pública.
Mas não é menos verdade que, pelo menos no troço mais urbano do rio da minha aldeia, a partir do Carregado, durante demasiado tempo, as populações viveram de costas viradas para o Tejo, por vezes indiferentes às agressões industriais e dos efluentes urbanos sem tratamento. Felizmente que a toque de um despertar para a relação de proximidade com a lezíria e com o Tejo cresceu a convicção e a ação de devolver a frente ribeirinha do Tejo em boa parte do território do Município de Vila Franca de Xira, persistindo a resistência quase superada do troço entre Alhandra e a Póvoa de Santa Iria por via de anacrónicas limitações militares em Alverca do Ribatejo.
É este compromisso de reativação da relação com o Tejo como ativo natural, de lazer, das economias locais e da identidade das populações que é preciso resgatar. Com uma maior e mais eficaz ação do Estado e dos cidadãos na sua defesa como património ambiental. Com a conclusão do passeio ribeirinho do Tejo entre Vila Franca de Xira e Lisboa, em que faltam os troços de Alverca, da Póvoa de Santa Iria para Loures e de Loures para o Parque das Nações, em Lisboa.
Provavelmente, aqui como noutras áreas faltam-nos recursos financeiros para fazer tudo o que é preciso, mas, perante o estado do rio, não pode faltar um rumo de construção de um caminho sempre no mesmo sentido, sem hesitações, retrocessos ou miríades de instituições que fingem mandar mas não mandam nada, porque não fazem nem deixam fazer.
O Tejo é mesmo o rio mais belo que passa pelas “minhas aldeias”. Precisa de atenção, de ação e, se necessário, de muitas filmagens para despertar as consciências e as empedernidas inações.
NOTA FINAL
Apesar de ter colado os meus primeiros cartazes numa campanha da FRS – Frente Republicana e Socialista em Alvega, no concelho de Abrantes, foi nas autárquicas de 1989, em Alverca do Ribatejo e em Vila Franca de Xira, que tive a primeira experiência de campanha eleitoral, com três personalidades políticas que me marcaram, de forma diferente, para quase 30 anos de vida política e cívica ativa, recentemente interrompida: o Acácio Barreiros, então candidato à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira pelo PS, o Firmo Soares Encarnação, uma referência histórica do PS de Alverca do Ribatejo, e o José Sabino Lopes, um verdadeiro homem bom, que nos deixou esta semana. Se somos o resultado daquilo que vivemos, acabo de perder a terceira das três principais referências que impulsionaram a minha participação partidária. O José Sabino, acima de tudo, era um amigo daqueles com quem nem sempre estamos mas que sabemos estar sempre lá, para um conselho, uma palavra sábia ou uma ajuda. Cada vez que ficamos mais pobres, aumenta a nossa responsabilidade cívica de contrariar as forças negativas, o acessório e as injustiças. Partiu um homem bom de Alverca, de Vila Franca e de todos nós que tanto precisamos de referências positivas. Havemos de voltar a estar, naquele tempo e forma de estar que conta, além da espuma dos dias. Obrigado, José Sabino.
Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira