Embaixadores & políticos


A escolha de António Sampaio da Nóvoa para representante diplomático português junto da Unesco é um erro deste governo. 


Historicamente, a representação externa dos Estados começou por ser provida por personalidades da confiança do soberano, oriundas da aristocracia. Com os novos tempos e a multiplicação das embaixadas, o serviço diplomático profissionalizou-se. Foram progressivamente criados, em todo o mundo, quadros especializados de serviço público, para assegurar a continuidade da representação do Estado, independentemente dos ciclos políticos. Os embaixadores passaram, em regra, a ser escolhidos dentre os diplomatas profissionais mais qualificados. 

Alguns países, porém, continuaram a manter a prática de designar, para a chefia de certos postos, figuras exteriores às respetivas carreiras diplomáticas. Em geral, as ditaduras e regimes mais ou menos autoritários abusam desta prática, que também foi corrente em regimes presidencialistas (mas, por exemplo, já deixou de o ser no Brasil ou em França, nos dias de hoje). Um país como os EUA persiste e coloca, com regularidade, na chefia de muitas das suas embaixadas, figuras ligadas ao financiamento das campanhas que estiveram na base da eleição do presidente. Bem assessoradas, claro está, por competentes profissionais da diplomacia…

Em Portugal, a Primeira República e o Estado Novo escolheram várias personalidades políticas e sociais para a chefia das principais missões diplomáticas, as quais, aliás, eram então muito poucas. Esta prática não viria a desaparecer por completo com o 25 de abril. Com vários pretextos, diversos governos colocaram figuras que lhes eram afetas em algumas embaixadas. Desde a Revolução, nos últimos 44 anos, com justificações de oportunidade inicialmente ligadas à consolidação dos novos tempos políticos (que já lá vão!), a diplomacia portuguesa veio a albergar uma trintena de “embaixadores políticos”, mais notoriamente em postos multilaterais. Os parisienses OCDE e UNESCO foram os mais escolhidos.

Na nossa história democrática recente, alguns desses “embaixadores” serviram num posto e, depois, saíram – quase sempre, após uma rotação governativa, como está na natureza precária da sua nomeação, feita por confiança política. Outros acabaram por rodar entre vários postos, usufruindo de uma legislação que lhes permitiu passar a integrar o quadro dos embaixadores profissionais de carreira. Desde 2011, vivia-se um tempo diferente: não existia nenhum “embaixador político” na diplomacia portuguesa. 

O concurso de acesso à carreira diplomática é o mais exigente de toda a Administração Pública portuguesa. Os funcionários que integram essa carreira fazem um percurso variado, em Portugal e em postos no estrangeiro. As tarefas diplomáticas aprendem-se com tempo e maturação, os comportamentos apuram-se, as pessoas são testadas em diversos cenários geográficos e perante situações muito diversas. Ao final de cerca de duas dezenas de anos, a alguns, mas não a todos, é dada a possibilidade de chefiarem, primeiro missões mais pequenas e, se nelas derem as devidas provas, postos mais importantes. A diplomacia profissional portuguesa é regular objeto de reconhecimento público, quase generalizado, pelo muito que faz pelo país e pelo seu prestígio. Mas, afinal, será que ela não serve para representar Portugal em todos os postos diplomáticos? 

Será assim compreensível que, dentro da carreira diplomática, subsista um permanente sentimento contra a indigitação de figuras que, não tendo feito a tarimba da vida diplomática, não tendo nela subido, ao longo dos anos, os seus diversos escalões, surjam um dia, de “pára-quedas”, num determinado posto, qualificados como “embaixadores”, por uma simples decisão política. 

Dir-me-ão: mas não houve embaixadores políticos que, no passado, fizeram bom trabalho, que acabaram por ser um valor acrescentado para o serviço diplomático? Claro que sim, embora em poucos casos. Tal como eu talvez fosse capaz, com algum jeito, de não ser um mau Comandante da Região Militar Norte… Mas, como diz o povo, “cada macaco no seu galho”. Só posso encontrar um único conforto nesta infeliz decisão do governo de António Costa, retomando um dos vícios do aparelhamento político da Administração Pública: é o facto de ter escolhido António Sampaio da Nóvoa, figura intelectual distinta e que sempre demonstrou grande competência e sentido de Estado nos cargos que exerceu, e a quem desejo as maiores felicidades no Ministério que generosamente o vai acolher no seu seio. Dentro do erro, valha-nos isso!

Embaixador aposentado


Embaixadores & políticos


A escolha de António Sampaio da Nóvoa para representante diplomático português junto da Unesco é um erro deste governo. 


Historicamente, a representação externa dos Estados começou por ser provida por personalidades da confiança do soberano, oriundas da aristocracia. Com os novos tempos e a multiplicação das embaixadas, o serviço diplomático profissionalizou-se. Foram progressivamente criados, em todo o mundo, quadros especializados de serviço público, para assegurar a continuidade da representação do Estado, independentemente dos ciclos políticos. Os embaixadores passaram, em regra, a ser escolhidos dentre os diplomatas profissionais mais qualificados. 

Alguns países, porém, continuaram a manter a prática de designar, para a chefia de certos postos, figuras exteriores às respetivas carreiras diplomáticas. Em geral, as ditaduras e regimes mais ou menos autoritários abusam desta prática, que também foi corrente em regimes presidencialistas (mas, por exemplo, já deixou de o ser no Brasil ou em França, nos dias de hoje). Um país como os EUA persiste e coloca, com regularidade, na chefia de muitas das suas embaixadas, figuras ligadas ao financiamento das campanhas que estiveram na base da eleição do presidente. Bem assessoradas, claro está, por competentes profissionais da diplomacia…

Em Portugal, a Primeira República e o Estado Novo escolheram várias personalidades políticas e sociais para a chefia das principais missões diplomáticas, as quais, aliás, eram então muito poucas. Esta prática não viria a desaparecer por completo com o 25 de abril. Com vários pretextos, diversos governos colocaram figuras que lhes eram afetas em algumas embaixadas. Desde a Revolução, nos últimos 44 anos, com justificações de oportunidade inicialmente ligadas à consolidação dos novos tempos políticos (que já lá vão!), a diplomacia portuguesa veio a albergar uma trintena de “embaixadores políticos”, mais notoriamente em postos multilaterais. Os parisienses OCDE e UNESCO foram os mais escolhidos.

Na nossa história democrática recente, alguns desses “embaixadores” serviram num posto e, depois, saíram – quase sempre, após uma rotação governativa, como está na natureza precária da sua nomeação, feita por confiança política. Outros acabaram por rodar entre vários postos, usufruindo de uma legislação que lhes permitiu passar a integrar o quadro dos embaixadores profissionais de carreira. Desde 2011, vivia-se um tempo diferente: não existia nenhum “embaixador político” na diplomacia portuguesa. 

O concurso de acesso à carreira diplomática é o mais exigente de toda a Administração Pública portuguesa. Os funcionários que integram essa carreira fazem um percurso variado, em Portugal e em postos no estrangeiro. As tarefas diplomáticas aprendem-se com tempo e maturação, os comportamentos apuram-se, as pessoas são testadas em diversos cenários geográficos e perante situações muito diversas. Ao final de cerca de duas dezenas de anos, a alguns, mas não a todos, é dada a possibilidade de chefiarem, primeiro missões mais pequenas e, se nelas derem as devidas provas, postos mais importantes. A diplomacia profissional portuguesa é regular objeto de reconhecimento público, quase generalizado, pelo muito que faz pelo país e pelo seu prestígio. Mas, afinal, será que ela não serve para representar Portugal em todos os postos diplomáticos? 

Será assim compreensível que, dentro da carreira diplomática, subsista um permanente sentimento contra a indigitação de figuras que, não tendo feito a tarimba da vida diplomática, não tendo nela subido, ao longo dos anos, os seus diversos escalões, surjam um dia, de “pára-quedas”, num determinado posto, qualificados como “embaixadores”, por uma simples decisão política. 

Dir-me-ão: mas não houve embaixadores políticos que, no passado, fizeram bom trabalho, que acabaram por ser um valor acrescentado para o serviço diplomático? Claro que sim, embora em poucos casos. Tal como eu talvez fosse capaz, com algum jeito, de não ser um mau Comandante da Região Militar Norte… Mas, como diz o povo, “cada macaco no seu galho”. Só posso encontrar um único conforto nesta infeliz decisão do governo de António Costa, retomando um dos vícios do aparelhamento político da Administração Pública: é o facto de ter escolhido António Sampaio da Nóvoa, figura intelectual distinta e que sempre demonstrou grande competência e sentido de Estado nos cargos que exerceu, e a quem desejo as maiores felicidades no Ministério que generosamente o vai acolher no seu seio. Dentro do erro, valha-nos isso!

Embaixador aposentado