Como é costume todos os anos, a publicação dos rankings das escolas tem permitido um nunca mais acabar de opiniões sobre estas listagens, a sua validade, utilidade, leitura, e várias e diferentes interpretações dos seus resultados.
Uma das abordagens escolhidas para esta análise que, de uma maneira geral, não põe em causa os efectivos resultados em que se baseiam os próprios rankings – o da média das notas por escola – passa por uma dissertação mais ou menos profunda sobre o cenário socioeconómico que presumem (empiricamente, ainda que porventura sem um desvio enorme) estar na base das famílias dos alunos visados.
É recorrente o argumento de que o ensino que historicamente apresenta melhores resultados é o privado e, por isso, porque tendencialmente mais caro, a fazer presumir que os seus alunos terão maior capacidade económica e extracto socioeconómico mais elevado.
Entre muitos, Daniel Oliveira, no “Expresso” de 5/2, experimentou o seguinte argumentário: “Os rankings mentem. Mentem porque, escondendo as diferenças socioculturais dos alunos de cada escola, comparam o incomparável premiando quem já tem quase todo o trabalho feito, escolhem os alunos mais fáceis e e muitas vezes até são menos exigentes.”
Este argumento vai ser reforçado nos próximos tempos pela continuação da política do fim dos contratos de associação, fortissimamente advogada pela senhora secretária de Estado que – sob pretexto de pretender dar uma educação internacional à sua prole, e só por isso – tem os seus filhos matriculados não na escola da Brandoa, de Chelas ou das Galinheiras, mas sim na Escola Alemã.
Opção que, na senda normalizadora e de entrega do ensino aos parceiros da coligação, vai retirar do tal ensino privado muitos alunos que não têm a tal sorte de uma família de políticos com posses e a quem esta deriva ideológica vai negar o sonho de aceder à diferença.
A verdade é que, alheio às excepções, como convém a quem sufraga (normalmente para os outros) nada mais que ensino público e estatizante, a análise de Daniel Oliveira também não é totalmente honesta. Olhemos, por exemplo, para o liceu Pedro Nunes, que o articulista certamente conheceu bem.
Será que entende o mesmo que tal liceu seja, a um tempo, comparável com o ensino público-tipo, e, a outro, que o referido liceu não seja, há anos, também beneficiado relativamente a outros com um processo agressivo de escolha de alunos? Será que lhe escapou como tem corrido a época das matrículas nesse liceu público, a gravidade dos incidentes entre pais, os comunicados, as agressões e a polícia, as denúncias de fraude nas inscrições que foram ampla e devidamente noticiadas?
Tal como o ensino privado e o público não são iguais entre si, as escolas privadas e as escolas públicas também não o são dentro dos seus próprios sectores.
É evidente que o sistema de ensino todo ele tem desigualdades de oportunidades, mas só a cegueira ideológica permite concluir perante este exemplo concreto que tal necessariamente se centre na dicotomia público-privado, como quando Daniel Oliveira defende: “O verdadeiro objetivo foi conseguido: passar a ideia de que as escolas privadas, que fazem uma seleção social natural por via dos rendimentos e, em muitos casos, uma seleção artificial, afastando maus alunos ou os alunos indisciplinados, garantiam melhor ensino do que a escola pública.”
É sempre possível (fazendo generalizações e omitindo factos) relativizar uma realidade complexa e conformá-la à ortodoxia das convicções mais ou menos livres de cada um, como é aqui manifestamente o caso.
Já que qualquer um pode defender que os resultados vistos por determinado prisma são falsos, ou mentirosos, porque não seriam iguais se o modelo de análise fosse outro.
E chegados aqui, como é evidente, podemos dizer que os rankings que se baseiam em resultados objectivos de uma comparação dos exames de certas disciplinas em determinadas escolas que concorrem entre si; não partem de universos de comparação iguais, nomeadamente porque o universo dos alunos de cada escola, em plúrimas vertentes, não é o mesmo para cada uma das escolas em concurso.
É natural que para quem tem uma perspectiva colectivista do mundo, o facto de não se começar uma comparação qualquer nivelando todos pela mesma bitola do limiar da indigência e da igualdade colectivista exige como imperativo categórico que se exclua e repute de mentiroso qualquer resultado em que, de alguma forma, se evidencie que há – e ainda por cima com diferenciação de classes – resultados que medem o mérito objectivo num dado universo que só pondera o resultado final.
É verdade que os rankings não analisam o ponto de partida dos universos dos alunos de cada escola em variadíssimas vertentes, mas também é certo que, se olharmos para os rankings como o resultado médio dos alunos da escola em determinado exame, independentemente do ponto de partida, o resultado é objectivamente mensurável e estas escolas são melhores nesse aspecto.
E a verdade é que, se é certo que o contexto social de alguma forma condiciona os resultados, tal não é decisivo no fim para definir a tal dicotomia público–privado que Daniel Oliveira propõe nestes termos. Bastaria, por exemplo, que houvesse um ranking que avaliasse alguns cursos de universidades públicas contra as privadas e os resultados inverter-se–iam, com o público a dominar.
Ou seja, a verdade é que, tivesse o ensino não superior público, em média, a mesma qualidade que tem uma parte do seu ensino superior, esta discussão não tinha qualquer sentido.
Advogado na norma8advogados
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Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990