Alemanha. Um governo para a era pós-Schäuble

Alemanha. Um governo para a era pós-Schäuble


Os sociais-democratas saíram de mãos cheias no acordo para a nova grande coligação. Macron também.


A Alemanha entra num novo clima político com os protagonistas do costume. Democratas cristãos e sociais-democratas chegaram esta quarta-feira a acordo para o próximo governo de aliança ao centro, o segundo em dez anos, para muitos a contragosto, evitando um regresso às urnas no qual, muito provavelmente, os dois maiores partidos alemães do pós-guerra apenas repetiriam os maus resultados do ano passado. O entendimento tem de passar pelas nervosas mãos de uns 450 mil militantes sociais-democratas do SPD. Grande parte culpa a aliança com os conservadores da CDU e CSU pelo desastre histórico do ano passado. Uma parte talvez maior quer evitar uma nova ida às urnas, onde se arriscariam a ter apenas 17%, segundo a mais recente sondagem do Instituto Insa.

Os conservadores, em todo o caso, pagam muito caro o regresso do SPD. Martin Schulz anunciou esta quarta que o seu partido ficará com os cruciais ministérios das Finanças e Negócios Estrangeiros, quando se esperava que, no limite, o ex-presidente do Parlamento Europeu apenas conseguisse um deles. O SPD controlará também as pastas da Justiça, Família e Ambiente, assim como uma bolsa recheada de fundos públicos para os próximos quatro anos. “Agradecemos que alguns dos compromissos difíceis para os conservadores tenham sido aprovados”, disse Schulz, em Berlim. Alguns conservadores desagradados têm outras palavras. “Ufa! Ao menos ainda temos a chancelaria”, declarou sardonicamente o deputado conservador da CDU Olav Gutting.

Schulz leva uma mão forte ao congresso do SPD, que previsivelmente aprovará a coligação. O social-democrata tem autorização para aumentar a despesa orçamental do governo alemão na ordem dos 47 mil milhões de euros, o que equivale ao excedente recorde registado no ano passado. Schulz quer usá-los para baixar impostos, limitar os contratos de trabalho a curto prazo, investir no ensino e reformar parcialmente o sistema de saúde alemão que, no entanto, continuará a operar num regime semiprivado – neste ponto, os social-democratas viram-se forçados a recuar. “Não subestimem o impacto de o SPD controlar o Ministério das Finanças”, explicava esta quarta-feira à Reuters o economista-chefe do Commerzbank, Joerg Kraemer.

A Alemanha volta uma página sobre o período de extremo rigor financeiro do ex-ministro das Finanças Wolfgang Schäuble, que vai presidir ao Bundestag no crítico momento do regresso da extrema-direita. Segundo avançava esta quarta a imprensa alemã, Olaf Scholz será o seu sucessor. Schulz, por sua vez, ocupará quase certamente o Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde espera manobrar partes do seu ambicioso projeto de reforma europeia – demitiu-se da liderança do partido, num gesto sobretudo proforma. Neste ponto encontram-se algumas das consequências mais palpáveis de um SPD com as mãos nas alavancas do poder. O plano social-democrata alemão para uma Europa económica e politicamente mais integrada coincide em muitos pontos com a visão de Emmanuel Macron para o futuro da União Europeia. Abrem-se as janelas da reforma.

Schulz é mais ambicioso que Macron – no ano passado, por exemplo, apresentou um plano para a Europa de 2025 no qual antevê a criação de um tipo de Estados Unidos da Europa. Em todo o caso, o social-democrata alemão pode ajudar a convencer Merkel daquilo que o presidente francês não for capaz. E a chanceler, simultaneamente cautelosa e animada por em Paris ter de novo um parceiro disposto a partilhar com ela o fardo da liderança europeia, já aceitou um dos pontos comuns nos projetos Schulz-Macron. O acordo anunciado esta quarta em Berlim prevê a criação de um Fundo Monetário Europeu através do já existente Mecanismo Europeu de Estabilidade. As alterações permitem um organismo controlado pela lei europeia, e não pelos governos. Em todo o caso, segundo avança o “Financial Times”, este futuro órgão, pelo menos de acordo com a visão alemã, continuará a exigir reformas estruturais e estabilização económica aos países em crise. Em Berlim, afinal de contas, o voluntarismo europeu está em maré baixa.

Também isto Angela Merkel teve em conta nas negociações que terminaram esta quarta-feira. O SPD europeísta não foi o único a ganhar nas negociações. O partido-irmão da CDU, a CSU, da Baviera, nitidamente mais conservador, nacionalista e eurocético, também não saiu de mãos a abanar. O líder, Horst Seehofer, vai liderar um Ministério do Interior com responsabilidades acrescidas no qual se incluirão, por exemplo, os encargos com obras públicas. A CDU de Merkel, por seu lado, continuará a cargo dos ministérios da Defesa, Economia, Saúde, Educação e Agricultura. E, claro, como no queixume de Olav Gutting, da chancelaria.