Regulador dos transportes – não brinquem…


A AMT tem competências claras no universo portuário e dos transportes marítimos. Tal resulta da madurez do setor e de uma visão competente que se afirmou entre 2005 e 2009


Em 2012, o governo da troika aprovou o estatuto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, promovendo o que se designou como reforma da administração pública nos setores da economia, transportes e comunicações. 

Este ente da administração indireta reunia competências várias, atribuições advindas do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, do Instituto de Infraestruturas Rodoviárias e do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos no domínio da regulação e supervisão da atividade económica. 

Não tinham passado dois anos e o mesmo governo já estava a recriar o setor e a voltar a repartir universos de intervenção. Nasce a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes enquanto elemento do universo previsto na lei-quadro das entidades administrativas independentes. 

Alguns dos mais relevantes pensadores das coisas da regulação económica questionaram-se sobre o caminho seguido, tendo recebido uma resposta que parecia sustentada – o processo de privatização do universo dos transportes urbanos, ainda na dependência do setor empresarial do Estado, e o progressivo desaparecimento do mesmo Estado das operações portuárias obrigavam a uma regulação forte que não se poderia fazer no âmbito de um instituto com o universo de competências do IMTT. 

Nessa altura escrevemos: “A opção do governo, neste campo especial de intervenção, não atenta no facto de não existir um apoio maioritário para o caminho das privatizações e concessões. Desde logo, as oposições conhecidas das autarquias e das áreas metropolitanas e, ainda, do principal partido da oposição, que mantém uma rejeição absoluta do modelo.” 

Como se pode observar, o processo de transição das empresas de transporte ainda detidas pelo Estado para privados foi um dos que se confirmaram prioritários para o governo saído das legislativas de 2015, levando a que toda a estrutura pensada por Sérgio Monteiro tivesse ruído. 

Entre 2014 e 2015 poderíamos ter verificado uma rápida presença do novo regulador para fazer face às exigências que o processo privatizador lhe impunha. A nomeação de um conselho de administração de cinco pessoas para a autoridade levava a pensar que teríamos, com rapidez, um agente capaz de intervir, de fortalecer o setor e de não se deixar vencer pelos oportunismos políticos. Ora, tudo se mostrou um insucesso. 

No relatório de atividades de 2016, a AMT indicava o seguinte quadro de pessoal: 5 administradores, 17 dirigentes, 13 técnicos superiores e 13 assistentes. Uma vergonha – mais chefes que índios. 

O quadro inicial da AMT estava estimado em 82 unidades, encontrando-se ocupadas 48. Se fizermos uma comparação com um regulador mais antigo, o da energia, podemos confirmar os dislates em que se transformaram as opções de gestão. Para um universo de colaboradores semelhante, efetivamente preenchido, a ERSE tem um terço dos dirigentes e menos dois administradores. A ERSE não precisa de mais dirigentes nem de mais administradores. 

A AMT tem competências claras no universo portuário e dos transportes marítimos. Tal resulta da madurez do setor e de uma visão competente que se afirmou entre 2005 e 2009. Aqui, a regulação afirma-se transparente no que se refere a aprovação dos regulamentos de tarifas de cada uma das administrações portuárias e na emissão de instruções vinculativas relativas à concorrência entre portos nacionais. 

Mesmo assim, a intervenção na gestão dos terminais turísticos de forma a assegurar um acesso equitativo a todos os operadores, a iniciativa no sentido de ser assegurado um equilíbrio com áreas de soberania como é o caso das capitanias marítimas, ou os pedidos de licenciamento para ligações marítimas entre territórios insulares e entre o continente e as regiões autónomas são áreas em que a AMT se mostra impreparada. 

Por outro lado, tal como apontado a alguns reguladores, constatamos que pouco há escrito ou dito pela AMT sobre os desafios do futuro que o setor dos transportes, seja qual for a sua modalidade, vai enfrentar a curto prazo: veículos autónomos sem condutor, infraestruturas digitalizadas, questões securitárias, modelos de negócio baseado no transporte intermodal, economia partilhada (car sharing), entre outros. Na verdade, a AMT, entidade que supostamente deveria contribuir para a regulação de preços e serviços e para potenciar o acesso às atividades de transportes, tem-se evidenciado tão relevante como cassetes Betamax nos dias de hoje, com a desvantagem de não ter nada gravado no seu ADN.

Há ainda uma outra atribuição regulatória prevista, a da verificação do cumprimento das obrigações legais, regulamentares e contratuais de concessionários de serviço público. Mas estas atribuições regulatórias são agora uma novidade? Ou já existiam antes, quando o IMTT se observava sob superintendência e tutela do respetivo ministério? 

Se olharmos para o estatuto do IMTT de 2012 podemos verificar que este tinha como atribuição “regular as atividades de transporte terrestre e complementares, designadamente autorizando, licenciando e fiscalizando as entidades do setor no exercício dessas atividades”. E se repararmos no estatuto da AMT de 2014 constatamos que esta só tem de “definir regras e princípios gerais relativos à estrutura de custeio e formação de preços e tarifas nos setores regulados, emitindo parecer sobre as propostas de regulamentos de tarifas e outros instrumentos tarifários, designadamente quando estas se encontrem relacionadas com obrigações de serviço público”. 

Tudo trocado se constata. O organismo da administração indireta de 2012 comportava atribuições regulatórias; a entidade reguladora de 2014 comporta obrigações refletivas no universo da administração direta. Poder-se-á dizer que estas segundas não são relevantes, mas só o afirmará quem não sabe o importante que é o processo tarifário para os operadores. 

Vejamos, como exemplo seguinte, a participação internacional desta entidade. A sua intervenção no Corredor Ferroviário do Atlântico, que vai desde Leixões e Sines até Mannheim, é tão passiva e ineficaz (mesmo no contacto bilateral com os homólogos espanhóis) que, nas negociações (rateio de slots de passagem) do aumento da eficiência da utilização das linhas férreas deste corredor, tendo em vista aumentar a frequência e dimensão dos comboios de mercadorias, a Autoeuropa passou a preferir o transporte marítimo.

O relatório de atividades da AMT referente a 2017 é muito interessante na economia do mesmo texto. Pelo que sabemos pelo escrito já conhecido, mas ainda não tornado público como a lei obriga (site institucional), as obrigações regulatórias observam perto de duas dezenas de páginas de prestação de contas e o universo institucional, introdutório e de gestão interna comporta quase três dezenas de páginas. Nunca nos guiamos pela dimensão dos documentos, mas neste universo também não nos podemos guiar pela qualidade dos atos praticados. 

A avaliação da eficiência dos mercados da mobilidade, a defesa da concorrência, a qualidade de serviço, a supervisão e fiscalização apresentam-se de tal forma pobres que não passariam no crivo de qualquer entidade de verificação internacional. 

Quando, nos estatutos da AMT, se obriga a uma permanente verificação dos princípios e exercícios de entidades congéneres, seria relevante para o cumprimento de tal objetivo que os indicadores internacionais se apresentassem entendíveis, se reconhecessem claros. Nada!

Também não se observam relações profícuas e permanentes com os centros de investigação, quer na área jurídica que interessa por estarem em causa contratos de muitas centenas de milhões de euros; quer com faculdades de Engenharia, na avaliação da qualidade de serviço e prestação externa de padrões verificáveis e constantes de análise; quer com os centros de análise económica das universidades portuguesas que permitissem uma observação das remunerações dos investimentos e da sustentabilidade garantida das empresas. 

Olhar a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes é reparar no seu estado avançado de decomposição. E se os chefes (cinco) não minerassem mais os cofres públicos e se abalançassem num outro projeto, libertando a autoridade? 

Deputado do Partido Socialista