A frase é violenta e causará reações epidérmicas, mas corresponde ao título de um artigo escrito por um médico, Mike Adams, no qual revê algumas das indicações dadas pelos clínicos, no que respeita à saúde das crianças, que depois vieram a revelar-se autênticas asneiras.
O autor sublinha que, mais do que o facto de os médicos darem conselhos que depois a ciência viria a desmentir, o que seria uma ocorrência normal numa ciência não exata, era fazerem-no muitas vezes com a segurança de quem baseia o que diz em fundamentos científicos indiscutíveis ou na sua superioridade intelectual… quando, muitas vezes, nada sequer tinha sido investigado sobre o assunto.
A chamada “medicina baseada na evidência”, desenvolvida nos países nórdicos e anglo-saxónicos nos anos 80 do séc. xx, trouxe um enorme contributo para a saúde das pessoas, distinguindo muitas vezes as práticas eficazes de outras imprestáveis ou até contraproducentes. Ajudou também a relativizar os efeitos de alguns tratamentos ou a relação causa/efeito que por vezes se estabelecia apressadamente.
O que mais inquieta é pensar que, atualmente, em pleno séc. xxi, ainda há conceitos errados que são estimulados, praticados e impostos, por exemplo, aos pais de crianças pequenas, como não poder dar passeios antes do mês de idade, deitar o recém-nascido de lado ou não dar banho antes da queda do cordão umbilical ou exigir ferver a água e esterilizar os biberões a quem vive em locais com água plenamente potável (Portugal inteiro!). Ainda assusta mais pensar que muitos destes erros são afirmados com arrogância e com a certeza das verdades absolutas (absolutamente não provadas!) e com o apoio ou a complacência das autoridades que deveriam supervisionar as boas práticas nos locais onde se prestam cuidados de saúde.
Mike Adams refere o caso de Ignaz Semmelweis, obstetra húngaro que recomendou aos profissionais lavarem as mãos entre tocarem em dois doentes ou em produtos biológicos, para evitar infeções, e que foi ridicularizado pelos seus colegas médicos, expulso do serviço onde trabalhava e internado num asilo. Hoje, o seu nome está em vários hospitais e unidades de saúde, mas a ele não lhe serviu de muito ter toda a razão, perante a arrogância e a estupidez dos seus pares.
Nos anos 20, a propaganda aos leites em pó dizia que as mães não eram vacas para alimentarem os bebés. Nos anos 30, à pergunta “posso fumar durante a gravidez?”, a resposta era: à vontade, especialmente se forem cigarros da marca Camel (porquê, ninguém sabe). Os médicos não sabiam nem queriam saber – mas queriam era ver as clientes contentes. Se as substâncias do tabaco eram ou não tóxicas, se a vasoconstrição das artérias da placenta fazia ou não mal ao bebé, era irrelevante. Aliás, muitas sociedades científicas pagavam a edição das suas revistas cedendo páginas a anunciantes de tabaco.
Nos anos 40, a máquina de fluoroscopia permitia visualizar os ossos do pé da criancinha e, sendo barata, existia em muitas lojas de sapatos. Alguns médicos recomendavam, os pais adoravam, e o cancro agradecia a dose suplementar de 50 rems por minuto…
Para os vómitos e outras situações da gravidez, a talidomida era excelente: provocou o nascimento de mais de dez mil bebés sem braços ou sem pernas. Foi em Lisboa, no x Congresso Internacional de Pediatria, em 1962, o primeiro congresso médico a reunir mais de 1500 especialistas, que o problema foi formalmente debatido e reconhecido.
Mais tarde, nos anos 70, colocar mercúrio na boca de crianças de pouca idade, dentro das amálgamas dentárias, era muito eficaz do ponto de vista da dentistria. Só que o mercúrio era tóxico para os nervos, levando a autismo, infertilidade, perturbações do desenvolvimento e outras doenças. Foi nesta altura também que se arrancavam as amígdalas a quase todas as crianças que se constipassem com frequência, ou que os irmãos de algum menino que tivesse apendicite também tinham os seus apêndices removidos. Muitas famílias sofreram, muitos médicos enriqueceram… mas é a tal coisa, passava-se no tempo em que os pais de crianças internadas só podiam ver os filhos uma hora por dia e através de um vidro, não fossem passar infeções… enquanto, simultaneamente, muitos profissionais continuavam a não lavar as mãos e, no fundo, a considerar Ignaz Semmelweis um idiota incapaz.
A lista poderia continuar: mau uso e abuso de antibióticos, tendo muitos médicos a lata de até dizer que a causa da doença é viral mas prescrevem um antibiótico que nada faz aos vírus; açucarar os remédios para crianças para os apaladar… e elas intoxicarem-se com sobredosagens; a subida em flecha das cesarianas, que nos hospitais privados portugueses representam cerca de dois terços dos partos; ou, cúmulo dos cúmulos, alguns médicos serem contra as vacinas. Ou, como apurado num estudo que realizámos há escassos anos, 85% das mães saíam das maternidades da Grande Lisboa com indicação para deitarem as suas crianças de lado, quando é sabido que se devem deitar de costas para prevenir a morte súbita.
Muitos exemplos se poderiam dar. Não quer isto dizer que todos os médicos sejam assim. Mais: estou em crer que só uma escassa minoria faz das más práticas a sua prática. As ovelhas negras são poucas, tendo como referência as centenas de milhares de atos médicos praticados diariamente. Todavia, é essencial que os utentes se tornem mais sabedores e conhecedores, que interroguem e se interroguem. Não no primeiro sítio da internet ou nas bulas exaustivas, feitas para advogados americanos, não nas redes sociais ou nos blogues de mães (perdoem-me algumas), mas em locais onde a ciência ainda é respeitada e tem o seu ritmo, mesmo que lento. Felizmente lento, porque assim é que é ponderado, exaustivo e rigoroso.
A diferença entre Deus e os médicos não pode residir apenas no facto de Deus não ser médico…
Pediatra
Escreve à terça-feira