Presidência da ANAC envolta em polémica

Presidência da ANAC envolta em polémica


A ida de Luís Silva Ribeiro para presidente da ANAC foi alvo de fortes reservas por parte dos partidos políticos e também da CRESAP, por ter anteriormente exercido funções de CFO na ANA. 


A promiscuidade nas nomeações públicas no setor da aviação estende-se ao próprio regulador do setor. Luís Silva Ribeiro foi nomeado em julho de 2015 ainda no Governo de Passos Coelho para liderar a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC, antes INAC), vindo diretamente da ANA. O responsável foi indicado para liderar a empresa nacional de gestão dos aeroportos ainda pela mão do Estado, tendo sido reconduzido já pelos acionistas franceses, grupo Vinci, após a sua privatização. Foi também administrador-delegado da Portway, empresa de handling controlada pela ANA e antes tinha sido quadro do Ministério das Finanças.

A verdade é que a gestora nacional de aeroportos e as suas participadas representam uma parte muito relevante do universo de entidades que está sujeita à regulação da ANAC. Outra parte passa pela TAP. Tem igualmente funções de acompanhamento e fiscalização do contrato de concessão da ANA – Aeroportos de Portugal, que é dona da Portway, por onde também Silva Ribeiro já passou.

Além disso, já foi com este novo conselho que a ANAC ficou responsável de emitir um parecer vinculativo sobre a privatização da transportadora aérea. No final de 2015, o regulador deu luz verde ao anterior modelo de venda da TAP com os acionistas privados a deterem 61% do capital, assegurando que o controlo da companhia aérea pelo consórcio Atlantic Gateway estava «em conformidade». 

Um cenário que acabou por ser alterado pelo Governo de António Costa, respondendo assim a uma promessa eleitoralista, com o Conselho de Ministros a aprovar a minuta do acordo relativo à conclusão da reconfiguração da participação do Estado no capital social da TAP, colocando o Estado como acionista maioritário. Com esta reconfiguração, o consórcio privado ficou com 45% do capital do grupo que tem como principal ativo a transportadora aérea e os restantes 5% ficaram nas mãos dos trabalhadores. 

Reservas na escolha

O que é certo é que esta nomeação de Luís Silva Ribeiro causou algum mau estar no PS e PCP que, na altura, levantaram dúvidas sobre eventuais conflitos de interesse devido à ligação de Luís Ribeiro à ANA e à Portway. Isto porque a sua nomeação foi objetivo de parecer tanto por parte da CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública) como de audição parlamentar, conforme mandam as regras de nomeações para entidades reguladoras.

O Partido Socialista chegou a colocar 12 questões a Luís Ribeiro, nomeadamente sobre eventuais incompatibilidades, já que estava a sair de uma empresa regulada (ANA) para um regulador (ANAC) e sobre o parecer da CRESAP – Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública, que considerava «adequado com limitações».

O responsável desvalorizou as críticas ao afirmar que estava em condições de liderar o regulador, garantindo que a sua permanência na ANA depois de ter sido privatizada se deveu «ao reconhecimento do mérito da equipa». 

Também a CRESAP aprovou com «limitações» o nome de Luís Silva Ribeiro para liderar o regulador, ao considerar que «a ligação continuada, direta ou indiretamente, e ainda que prévia, a empresas reguladas por parte de um regulador pode dificultar uma cultura de independência e criar, mais facilmente, oportunidades de captura, requerendo portanto uma maior monitorização e controlo do trabalho desenvolvido».

Outras nomeações 

A própria experiência de Luís Silva Ribeiro chegou a ser posta em causa pela CRESAP para as funções que iria assumir, ao afirmar, na altura, não detinha «qualquer formação específica aprofundada em termos de regulação económica». Ainda assim, o Governo de Passos Coelho ignorou estas reservas e nomeou-o para o cargo que ainda mantém no Executivo de António Costa, uma vez que o seu mandato é de seis anos. 

Mas o certo é que este não é caso único em termos de nomeações polémicas. Tal como o SOL avançou na semana passada, também a ida de Jorge Ponce de Leão para a NAV Portugal causou um verdadeiro mal estar. O Governo de Costa nomeou-o para o cargo de presidente do Conselho de Administração da Navegação Aérea de Portugal – NAV Portugal. O mesmo nome que esteve responsável pelo processo de privatização da ANA e um dos responsáveis por desenhar a alienação da empresa no Executivo de Passos Coelho, enquanto consultor da PLMJ. Acabou por ficar no cargo já depois da venda da gestora nacional de aeroporto ao grupo francês Vinci. 

Também a ida de Luís Patrão, o homem forte socialista e de confiança de quase todos os primeiros-ministros do PS, para administrador não executivo da ANA em junho passado está longe de ter sido pacífica. 

O SOL tentou obter uma reação dos partidos políticos em torno destas nomeações, mas nenhum quis responder. 

No entanto, Jorge Cordeiro, membro do secretariado do Comité Central da PCP, rompeu o silêncio esta sexta-feira num artigo de opinião publicado no DN ao afirmar que «nenhuma lei pode eliminar deliberados comportamentos condenáveis. Mas é ainda uma verdade maior afirmar que as regras, sobretudo a ausência delas, não só não contribuem para os prevenir como os estimulam e abrigam», criticando ainda que «se aprovem os códigos de conduta que se entenderem mais que não seja para se não parecer o que à mulher de César se exigia que fosse. Mas não se queira com o marginal fugir ao essencial: debelar a promiscuidade entre poder político e económico, pôr fim à ligação umbilical dos grupos monopolistas aos partidos que têm governado o país».

Jorge Cordeiro dá como exemplo a atual situação vivida na NAV – e que foi denunciada pelo SOL – em relação à ida de Ponce de Leão para a liderança da empresa: «Quem nomeado pelo Governo de Passos como negociador da privatização da ANA, a ela presidiu enquanto pública e dela transitou para a Vinci já privatizada, acabe nomeado pelo atual Governo para presidir à NAV».