Cláusula obrigatória (II)


Escolher a simbiose entre os adultos mais idosos e os jovens pais pode ser o segredo para a redistribuição demográfica e etária, a prazo, do país


Ainda a propósito de “pactos de regime” – e se vale a pena lutar pelas cláusulas obrigatórias de um consenso entre os partidos do poder –, teria de vir sempre para a discussão a redistribuição etária e demográfica do país.

Temos cada vez mais uma maioria de pessoas com idade avançada – o que significa, na maior parte dos casos, a longevidade proporcionada pela melhoria da qualidade de vida e a exponencial evolução dos cuidados de saúde e do acompanhamento médico que se registaram nas últimas décadas – e cada vez menos um contingente assinalável de pessoas jovens e de nascimentos – fruto da mentalidade enraizada pela minha geração e das mudanças óbvias na relação das famílias com a vida e com o trabalho.

As estatísticas apontam para um número previsto de mais de 300 idosos por cada 100 jovens no ano de 2080. Este é um problema social, que não se muda por decreto, mas também é um problema económico que pode ser gizado como estrutural para as próximas décadas, e uma questão de Estado. Dito em interrogações: é ou não estratégico inverter o declínio da natalidade, em associação com o aproveitamento da população mais idosa e (desafiadoramente) ativa, nomeadamente em profissões sem a necessidade do vigor físico (ou sem exclusividade total), mas antes necessitadas da experiência acumulada e do saber predominantemente intelectual (mesmo que a tempo parcial e in house)? É ou não decisivo não permitir que a população vá mirrando na sua capacidade de renovação, confirmando-se a iminente descida da fasquia simbólica dos 10 milhões? Temos ou não obrigação de incrementar nos casais a “indução” para o limiar de substituição das gerações, isto é, cerca de 2 filhos por mulher, contra os 1,3 da taxa de fecundidade mais baixa da União Europeia? É ou não é importante adaptar as políticas educativas, empresariais, fiscais, entre outras, ao período de vida que as previsões de esperança média de vida oferecem e à diminuição da população no mercado laboral? É. 

Sendo certo que nunca mais recuperaremos, é ainda mais certo que cabe decidir se nos conformamos com a astenia. Sendo certo que a minha geração optou, maioritariamente, por ter filhos tarde e ter poucos filhos para lhes dar mais vida (e previsão de futuro) e continuarem os pais com alguma “possibilidade” de vida, não deixa de ser certo que a gestão do rendimento familiar (ou de cada um dos pais) continuará a ser o principal argumento na discussão sobre o alargamento da prole, a começar pela decisão crítica do “segundo filho” – o fator que tudo muda ou que completa irreversivelmente o que se mudou com o “primeiro filho”. Sendo certo que, depois dos divórcios e das separações, há cada vez mais filhos de diferentes casais, é igualmente certo que tal só pode ser argumento para indagar das condições para se recusar a inevitabilidade da regressão. Nelas estarão a estabilidade e a segurança do emprego, o preço da casa, o custo das escolas e das deslocações, a flexibilização do trabalho, as ponderações tributárias. Por fim, o apoio intergeracional dos avós (os “mais velhos”), pois, sem eles, muitos nunca poderiam ter conciliado a sua vida profissional e pessoal com filhos no plural.

Ora, é nessa simbiose entre gerações que poderá estar o segredo, aproveitando-se a pirâmide familiar que poucos ousaram, até agora, tratar nas políticas. Nunca mais seremos o país dos inúmeros irmãos em fila, mas temos de saber gerir, desde logo com o forte apelo migratório dos nacionais mais qualificados, o rejuvenescimento e o envelhecimento adulto. 

Há números, há estudos e há estrangeirismos a seguir. Se não se entendem sobre tal urgência para um “contrato de regime”, não vale então a pena falar disso.

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsultom, Escreve à quinta-feira


Cláusula obrigatória (II)


Escolher a simbiose entre os adultos mais idosos e os jovens pais pode ser o segredo para a redistribuição demográfica e etária, a prazo, do país


Ainda a propósito de “pactos de regime” – e se vale a pena lutar pelas cláusulas obrigatórias de um consenso entre os partidos do poder –, teria de vir sempre para a discussão a redistribuição etária e demográfica do país.

Temos cada vez mais uma maioria de pessoas com idade avançada – o que significa, na maior parte dos casos, a longevidade proporcionada pela melhoria da qualidade de vida e a exponencial evolução dos cuidados de saúde e do acompanhamento médico que se registaram nas últimas décadas – e cada vez menos um contingente assinalável de pessoas jovens e de nascimentos – fruto da mentalidade enraizada pela minha geração e das mudanças óbvias na relação das famílias com a vida e com o trabalho.

As estatísticas apontam para um número previsto de mais de 300 idosos por cada 100 jovens no ano de 2080. Este é um problema social, que não se muda por decreto, mas também é um problema económico que pode ser gizado como estrutural para as próximas décadas, e uma questão de Estado. Dito em interrogações: é ou não estratégico inverter o declínio da natalidade, em associação com o aproveitamento da população mais idosa e (desafiadoramente) ativa, nomeadamente em profissões sem a necessidade do vigor físico (ou sem exclusividade total), mas antes necessitadas da experiência acumulada e do saber predominantemente intelectual (mesmo que a tempo parcial e in house)? É ou não decisivo não permitir que a população vá mirrando na sua capacidade de renovação, confirmando-se a iminente descida da fasquia simbólica dos 10 milhões? Temos ou não obrigação de incrementar nos casais a “indução” para o limiar de substituição das gerações, isto é, cerca de 2 filhos por mulher, contra os 1,3 da taxa de fecundidade mais baixa da União Europeia? É ou não é importante adaptar as políticas educativas, empresariais, fiscais, entre outras, ao período de vida que as previsões de esperança média de vida oferecem e à diminuição da população no mercado laboral? É. 

Sendo certo que nunca mais recuperaremos, é ainda mais certo que cabe decidir se nos conformamos com a astenia. Sendo certo que a minha geração optou, maioritariamente, por ter filhos tarde e ter poucos filhos para lhes dar mais vida (e previsão de futuro) e continuarem os pais com alguma “possibilidade” de vida, não deixa de ser certo que a gestão do rendimento familiar (ou de cada um dos pais) continuará a ser o principal argumento na discussão sobre o alargamento da prole, a começar pela decisão crítica do “segundo filho” – o fator que tudo muda ou que completa irreversivelmente o que se mudou com o “primeiro filho”. Sendo certo que, depois dos divórcios e das separações, há cada vez mais filhos de diferentes casais, é igualmente certo que tal só pode ser argumento para indagar das condições para se recusar a inevitabilidade da regressão. Nelas estarão a estabilidade e a segurança do emprego, o preço da casa, o custo das escolas e das deslocações, a flexibilização do trabalho, as ponderações tributárias. Por fim, o apoio intergeracional dos avós (os “mais velhos”), pois, sem eles, muitos nunca poderiam ter conciliado a sua vida profissional e pessoal com filhos no plural.

Ora, é nessa simbiose entre gerações que poderá estar o segredo, aproveitando-se a pirâmide familiar que poucos ousaram, até agora, tratar nas políticas. Nunca mais seremos o país dos inúmeros irmãos em fila, mas temos de saber gerir, desde logo com o forte apelo migratório dos nacionais mais qualificados, o rejuvenescimento e o envelhecimento adulto. 

Há números, há estudos e há estrangeirismos a seguir. Se não se entendem sobre tal urgência para um “contrato de regime”, não vale então a pena falar disso.

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsultom, Escreve à quinta-feira