Perfil. Rui Rangel, um juiz indiscreto

Perfil. Rui Rangel, um juiz indiscreto


O juiz que há três anos considerou os juízes “a classe menos confiável em Portugal” foi ontem constituído arguido


“Os juízes são a classe menos confiável em Portugal.” A frase é (ou foi) do juiz Rui Rangel, em declarações a este jornal no ano de 2015, acrescentando que os profissionais do seu meio “não sabem ser membros de um poder soberano”.
Ontem, três anos mais tarde, foi ele mesmo alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária, sendo arguido numa investigação do Ministério Público (ver páginas anteriores). 

Mas ontem não foi o primeiro dia da vida mediática do juiz Rangel – ainda que talvez tenha sido o de mediatismo mais negro. 

O conflito entre os holofotes e o percurso na magistratura é, aliás, uma constante desde o início da sua “vida pública”, como já lhe chamou em discurso, a que atribui “mais de 30 anos”.

Ex-jornalista, ex-militante do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, tendo sido preso em 1977 depois do golpe de Nito Alves) e irmão do fundador da SIC Emídio Rangel, o juiz desembargador nasceu em Angola (na então Sá da Bandeira, hoje Lubango) em 1957, filho de um funcionário de uma companhia mineira regional pouco presente em casa. Era, por isso, mais chegado ao irmão mais velho, Emídio, falecido em 2014, e à mãe.

Na escola, os dotes para a oratória revelaram-se cedo.

Atingida a maioridade em 1974, ano da Revolução dos Cravos em Portugal, por ela sairia de Angola com toda a família. Chegaria a Lisboa nesse ano, com escassos pertences, como a maioria dos retornados, e regressaria a território angolano três anos depois, onde se tornaria jornalista e membro do MPLA.

Só mais tarde voltaria a Portugal para se licenciar em Direito. 

De 1984 até 2004 passaria por vários tribunais locais até ser colocado na Relação de Lisboa. Antes, em 1992, tornou-se secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e casou-se com a também juíza Fátima Galante, com quem tem um filho, dentista de profissão.

Em 2007 fundaria a Associação Juízes pela Cidadania. E, nesse mesmo ano, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) instaura-lhe um processo disciplinar por ter assinado um texto de opinião no qual considerava a condenação do caso Esmeralda, em que uma criança fora retirada aos pais, como “desproporcional”, “cega” e “brutalmente injusta”. 

Dois anos depois promove a candidatura de José Eduardo Moniz a presidente do Benfica, clube de que é sócio e a que ele próprio se candidataria em 2012, ainda que com substanciais reservas da magistratura em torno dessa intenção. 
“Estou limpo! E vou limpo para o Benfica e vou sair limpo do Benfica”, disse na altura.

Em 2015, o Ministério Público afasta-o do processo da Operação Marquês em consequência de ter posto termo ao segredo de justiça interno no processo, permitindo assim aos suspeitos, como o ex-primeiro-ministro (e igualmente benfiquista) José Sócrates, consultar todos os respetivos autos. O mediatismo do juiz já no ano anterior disparara, como comentador residente no programa “Justiça Cega”, da RTP. 

Em 2016, a Procuradoria-Geral da República confirma que Rangel está a ser investigado e o CSM abre-lhe um inquérito. Era o despontar da mesma investigação que ontem chegou a um primeiro clímax: a Rota do Atlântico.