Deixa-me mostrar-te o meu lugar.
O frio dói porque é fresco, o barulho maior é a conversa dos pássaros, o tempo aparenta ser parado porque as pessoas ainda são as mesmas, parecendo que são imortais. Mesmo sabendo que não são, gosto de viver na ilusão de que tudo permanece em quietude, em sossego, em paz, porque aqui anda tudo mais devagar. Sim, as pessoas também têm pressa, mas são obrigadas a apreciar. E é enquanto o admiro que vos apresento o meu lugar. O meu lugar favorito.
Não nasci cá porque foi em França que dei os primeiros passos, mas cheguei suficientemente cedo para me criar aqui. Trouxe apenas o sotaque do berço mas mais nada, porque tudo seria construído no meu lugar. Apesar de simples e pequeno e de parecer sempre o mesmo, cada complexidade do meu ser foi gerada neste campo. A miúda impaciente que sempre quis tudo para ontem aprendeu a esperar pelo único autocarro do dia e a gritar alto para os montes, vendo o seu ego devolvido em repetição – com a natureza a ensinar que o ego só traz mais barulho, nunca acrescenta nada. De qualquer forma, apesar das lições, nem sempre gostei do meu lugar com tanta coragem. Crescer entre árvores, animais, verões quentes, trovoadas barulhentas, musgo e papoilas não foi sempre fácil. Cheguei a sentir-me presa nesta beleza, cheguei a achar que o tempo parado era desadequado para uma pessoa com tanto para ver, cheguei a achar que esta paz excessiva atrofiava a minha sede de viver emoções fortes. Foi aqui que me senti mais aprisionada e foi aqui que me libertei.
No meu lugar fiz bolos de terra em criança, amuei na adolescência, namorei em adulta e chorei a desejar ser criança outra vez só para não viver o que era tão difícil. Morri e nasci várias vezes neste campo, e quando via a geada a queimar o jardim sabia que haveria de ficar verde outra vez.
Já não vivo no meu lugar, mas também nunca me sinto visita. Pertenço aqui. Não fugi aos seus encantos, mas quis outras coisas e precisava de saber vê-lo de fora. Agora sei, com o respeito que me merece, com o encantamento que o enriquece.
Hoje fiz a volta que fazia antigamente. Parei muitas vezes. Lembrei-me do que me lembrava durante as caminhadas. Cheguei a pensar que nunca sairia daqui porque o meu sonho não passava de um devaneio meu. Incrivelmente, aconteceram as duas coisas: saí mas sem nunca me ter ido embora de vez, porque este será sempre o meu lugar. O meu lugar favorito.
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