Tão ladrão é o que vai à horta…


A desregulação da legislação laboral transformou o trabalho numa mercadoria


O ano 2018 entrou carrancudo e dado a fúrias. Basta ver os estragos que o mau tempo tem causado por essa Europa fora, afectando particularmente França, Irlanda, Suiça e Alemanha. Até ver. No segundo dia do ano, em Matosinhos, uma inesperada tolerância de ponto manteve encerrada a galeria da Casa da Arquitectura. E o amuo de quem lá se deslocou para a visitar não foi completo porque o espaço exterior estava aberto, e foi possível observar, por fora, a bem conseguida recuperação do velho edifício da Real Vínicola e anexos. Além de que se pôde apreciar as gigantescas esculturas em aço, vidro e espelho – patentes na última Bienal de Arte de Veneza -, do artista plástico Pedro Croft, que ali encaixavam na perfeição.

De Matosinhos à Foz, no Porto, vai-se sem dar por ela, que os passadiços sobre as praias são sempre convidativos, quando neles se pode andar, claro. Se o dia estava chuvoso, o céu cinzento, o mar estava mais cinzento ainda, plúmbeo, e a espuma branca das ondas que se espatifavam contra as rochas, furiosas, varria com estardalhaço o molhe junto à praia, agora reduzida a uma nesga de areia. Tempo e mar mal humorados a condizer com o sururu criado à roda da lei de financiamento dos partidos. Os opinantes da nossa praça resolveram apimentar o já apaladado cozinhado dos deputados da nação, assarapantados uns (?!), escandalizados outros (?!!), mas tão ladrão é o que vai à horta.. E o esperado veto presidencial veio pôr tudo ainda mais em polvorosa. Mas como o veto só vai ser discutido no Parlamento lá para finais de Fevereiro, depois do congresso do PSD, entretanto vão saindo mais pormenores do alegado conluio. Zangam-se as comadres… Até que um novo caso entretenha o circo mediático.

Não será, porém, o caso da Síntese de Execução Orçamental de Novembro 2017, divulgada no fim de Dezembro pela Direcção-Geral do Orçamento, DGO, que vai dar origem a foguetório na comunicação social. Para quem gosta de indicadores macroeconómicos, os números agora conhecidos deixam antever um ano de 2017 “saboroso” no que toca a finanças públicas, e um défice orçamental que poderá ficar abaixo de 1,3% do PIB, seja qual for o preço que tenhamos de pagar por isso: “o saldo primário foi excedentário em 5.800,2 milhões de euros”, lê-se no documento. Apenas um pormenor?! Comissão Europeia oblige…

Não obstante, por trás de uma execução orçamental bem sucedida há realidades escondidas, e muito menos bem sucedidas. Apesar da diminuição do desemprego e da criação líquida de emprego, inquestionáveis, mas.. O último boletim do Observatório sobre Crises e Alternativas, “Barómetro das Crises”, do passado dia 5, dá conta da degradação da qualidade do trabalho, e da depreciação de salários – que não é pior devido ao aumento do salário mínimo. A desregulação da legislação laboral levada a efeito no chamado período de ajustamento, e ainda não revista, transformou o trabalho numa mercadoria; deixou de ser um direito. Bem falou o primeiro ministro na mensagem de Natal ao país, anunciando o emprego como prioridade: “não apenas mais, mas melhor emprego”. Algo vai ter que mudar, corajosamente, se não voltamos ao mesmo: tão ladrão é o que vai à horta, como o que fica à porta.

Empresária