A criação das entidades reguladoras, nos diversos tempos em que aconteceu, veio a determinar a sua formatação e até o seu sucesso no exercício das obrigações estatutárias.
No âmbito das utilities, reportando à produção, armazenamento, transporte, distribuição e comercialização de energia e de água, assume-se como obrigatório o fornecimento universal, et pour cause, a sua implicação com obrigações complementares de serviço público. Acresce ainda que representam recursos vitais de país soberano, estratégicos para o desenvolvimento económico e social em tempo de paz, decisores em tempos de crise.
O setor da eletricidade rumou ao setor privado na década de 1990, caminhou para a segregação de atividades, seguindo para a liberalização nas seguintes, num espaço alargado, primeiro com o Mercado Ibérico da Eletricidade e, depois, de gás, e, nos nossos dias, no espaço da UE. Daí que se tenha consagrado um processo de verificação regulatória com a inovação nas características da autoridade administrativa a criar.
A Entidade Reguladora do Setor Energético (ERSE), primeiramente só elétrico, tem duas décadas e nunca incorporou em si funções que se encaixam nas administrações direta ou indireta. A manutenção da Direção-Geral de Energia, depois integrando a geologia (DGEG), foi uma importante decisão que impediu o comandamento completo do regulador por parte da atividade governativa.
Por outro lado, o setor da água e resíduos tem vindo a verificar uma ausência de estratégia que promove três graves falhas na construção de um mercado eficiente: a primeira é a que pulveriza a decisão pelos municípios portugueses; a segunda, a que faz das tarifas um campo de combate eleitoral que nunca assenta em ponderação de impactos; a terceira é que regula setores económicos altamente controlados pelo Estado cujo acesso é restrito ou mesmo vedado à iniciativa privada.
O regulador das águas é recente. Teve, antes, muitas formatações e muitas realidades diferentes. E essa história, enquanto realidade institucional, tem vindo a impedir o afirmar da nova Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR). Enquanto outros reguladores incorporam capacidade, instrumentos e recursos de inspeção ou investigação, este regulador encontra-se refém de autoridades de inspetivas como a IGAMAOT, perdendo capacidade de obtenção de informação e, consequentemente, de decisão.
Em Portugal, com a organização muito cristalizada das administrações públicas, é pouco provável que os governos ponderem agregar áreas a regular a entidades mais transversais. Este processo já seguiu em muitos países e até com opções radicais de incorporação, como aconteceu em Espanha com a criação de um megarregulador que, por estes dias, se repondera.
A leitura de que cada ministro terá de deter um regulador para as suas áreas de acompanhamento é decorrente da relação de tutela, e não da relação de independência funcional e até programática que deveria estar na base das entidades reguladoras.
Há muito que reivindicamos a junção da ERSE com a ERSAR (sem resíduos, que deveriam passar para a Agência do Ambiente), uma leitura mais estreita das redes, uma visão mais favorável para os operadores e para os consumidores.
Esta opção não é só o resultado de uma preocupação com a poupança, antes pelo contrário. É a opção pela eficiência e pela afirmação pública.
Olhemos, em três pontos de vista, essa integração.
Os setores da água e do gás, até mesmo da eletricidade, usam o solo e o subsolo para a sua atividade operacional. Todas as empresas de transporte e de distribuição devem apresentar, até por imposição comunitária, planos de investimento plurianuais. Ora, se todos os planos das empresas se articularem, poderemos ter obra em simultâneo, com menos impactos na fatura e com menos incómodos para o gestor dos territórios – câmaras e Infraestruturas de Portugal. Poderíamos, pois, caminhar com mais consistência para a concretização das redes inteligentes.
Por outro lado, a regulação técnica, no âmbito da qualidade de serviço, é muito parecida, em especial a que importa entre água e gás canalizado. Essa integração transforma os indicadores de rede e as suas observações contratuais muito mais amigas das empresas e menos penalizadoras da fatura final. Ainda neste domínio, a junção destas duas fileiras com denominador comum permitirá alargar o universo para o recrutamento de dirigentes e quadros, melhorando o atual espetro reduzido de especialistas, naturalmente diminuto face à escala de um país de dimensão como o nosso.
Ainda, e por fim, a questão não menos relevante dos consumidores. Quando nos instalamos num qualquer espaço, de habitação ou destinado a atividade empresarial, temos sempre a obrigação de tratar de três contratos – luz, água e gás. Nos dias de hoje, com a digitalização e virtualização das comunicações, os contratos nesta área ganharam outra natureza. Imaginemos que um regulador único impõe um balcão único para as utilities onde todas as empresas possam estar…
Mas há também a mudança de comercializador, normalmente agregada a ofertas que tenderão a ser integrais, e a gestão das reclamações que, por estarmos em atividades conexas, na maior parte das vezes implicam três call centers.
Por último, neste campo terceiro de vantagens, a emissão da fatura mensal. Não antevejo que, para benefício do consumidor final, seja impossível iniciar um processo de emissão fatural de três entradas com garantia de tratamento de dados respeitando os direitos individuais.
Nesta relação de interpenetração poderíamos elencar um vasto conjunto de outras áreas que só ganhariam com um regulador mais robusto. Não interessa, nesta fase em que nos encontramos, desenvolver tais cenários. Mas há ainda uma outra opção que deveria integrar o novo ente regulador: o universo dos combustíveis.
Em Portugal vivemos com a sensação de que estamos perante terra de ninguém na verificação das obrigações societais, das implicações da concorrência e até das interpenetrações entre setores energéticos que, a prazo, determinarão muita da nossa soberania. É por isso que importa atribuir em definitivo à ERSE competências no universo dos petróleos, integrando de forma ponderada a entidade há pouco tempo criada e que dá pelo nome de Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC).
A ENMC passou de uma quase inexistência, só com a incumbência de gerir obrigações de abastecimento em situação de planeamento civil, para novas áreas cujas mais-valias se desconhecem ou são invisíveis. Hoje aloja muitos quadros que vieram das levas partidárias mais recentes, sem se saber o que faz, o que desenvolve, o que garante. Esta entidade, apesar da sua excentricidade, situa-se entre a DGEG e a ERSE, cuja existência só se nota quando tenta acotovelar estes últimos para se sentar nas reuniões em Bruxelas. A sua própria existência e manutenção, para além de ser tão útil hoje como o papel selado de 25 linhas, envergonha o desígnio de simplificação e modernização das administrações públicas.
Por tudo isto, consideramos a necessidade de um espaço para outra regulação nos setores da energia e da água. Talvez falte pensamento e vontade para fazer um outro país que não seja só o minifúndio mental de quem deveria pensar em tudo isto.
Deputado do Partido Socialista, Escreve à segunda-feira