A clareza das opções políticas é fundamental para que os cidadãos as possam apreender, escrutinar e avaliar a sua execução e os resultados obtidos. É certo que, em muitos processos, a opacidade e o imediatismo têm-se sobreposto a qualquer juízo de análise dos impactos que uma determinada opção ou omissão pode ter para o cidadão ou para a comunidade. É certo que, da mesma forma que a sustentabilidade não é fator de ponderação dos decisores em muitos processos, também a atenção dos cidadãos e dos média é tocada por uma espantosa volatilidade, oscilando entre a máxima atenção e a indiferença.
Quantas opções políticas amplamente mediatizadas não têm depois nenhum tipo de escrutínio ou de avaliação dos impactos e dos resultados? Quantas vezes o discurso político é uma coisa e a realidade concretizada outra completamente diversa? Como é possível que o silêncio e a inação possam dar cobertura a incumprimentos, a incoerências e a situações graves, não penalizadas?
O Estado falhou muito em 2018. Os cidadãos e os média ainda falham mais quando não têm uma cultura de exigência. É esse laxismo cívico que, a par do estado de necessidade, permitiu a inscrição de serviços públicos importantes nos sucessivos planos de privatizações, sem que o interesse público e a qualidade do serviço prestado ao cidadão fossem verdadeiramente acautelados. O caso do serviço público postal, entregue aos CTT, é apenas um de muitos exemplos em que a regulação e o Estado não conseguem impor o cumprimento da exigida qualidade do serviço prestado. Como em muitas situações que resultaram da evolução de situações de monopólio para mercado regulado, por que razão têm os concessionários de continuar a usufruir de estatutos do passado se já são eminentemente privados e não cumprem os mínimos? Por que razão tem o Estado de me impor, por exemplo, um endereço eletrónico no Via CTT para comunicar comigo? Por que razão se assiste à brutal degradação da distribuição postal, com menos rondas de distribuição e cartas a chegarem aos destinatários fora do prazo de pagamento de obrigações contratuais?
O Estado falha como regulador. E não pode, porque não há recursos para que seja o Estado a fazer tudo, mas tem de garantir padrões mínimos de qualidade e gerar condições para que os cidadãos se defendam. Senão, goza com todos nós e os reguladores constituem uma fantochada. Como acontece com a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, oscilante entre a não pronúncia em casos importantes e a mera defesa dos interesses dos órgãos de comunicação social, ou com os reguladores das concessões rodoviárias.
Como é possível que uma concessionária rodoviária como a Autoestradas do Atlântico, responsável pela A8, anuncie obras de requalificação do pavimento até 31 de agosto, não as concretize, anuncie nova data até 31 de dezembro de 2017 e volte a não cumprir o prazo, com várias partes do piso descascado, com evidentes riscos para a segurança rodoviária? Em vez de assumir o incumprimento, de o fundamentar e de pedir desculpa aos cidadãos que, apesar dos transtornos, continuam a pagar a portagem correspondente a um serviço pleno, a técnica foi a de apagar a data de 31 de agosto e continuar a não cumprir. É que, nos pontos de acesso à infraestrutura rodoviária, nem sequer há informação da existência de condicionantes ao serviço prestado. Paga-se e pronto, alguém encaixa.
O Estado falha como entidade que se paute pela coerência e por opções inteligíveis. É certo que os CTT são hoje uma empresa privada, operadora da concessão do serviço público postal, mas como é possível brandir aos quatro ventos a descentralização e a valorização do interior e depois permitir opções de gestão no sentido da centralização e do abandono das populações? Como pode o governo ter um discurso político favorável ao resgate do interior como ativo nacional e um amplo pacote de descentralização de competências e de meios do poder central para as autarquias locais e depois permitir tudo isto e até ser protagonista de opções políticas contrárias, como acontece com a definição do número de farmácias de serviço, em que impôs uma redução, com o consequente afastamento das necessidades dos cidadãos?
Reinventar é também fazer diferente do que foi feito no passado, com sustentabilidade, coerência política, consequência e sentido de futuro. Todos sabíamos que havia um país a várias velocidades e que estas são insustentáveis. É uma evidência que o ano de 2017 foi marcado por sinais contrários e contraditórios. É essa evidência que se projetou politicamente para sublinhar que, ao invés do enleio inicial, há titulares da Presidência da República e do governo bem diferentes. De pouco valerá a quem endeusou a relação de parceria para a confiança diabolizá-la agora porque, por interesse ou por amor, o que foi gerado é uma autêntica referência política popular. Uma espécie de “Correio da Manhã” da política portuguesa investido em funções presidenciais. Importante mesmo era que, além das narrativas políticas e das políticas de ocasião, o Estado consolidasse as funções que deve continuar a prestar e impusesse o cumprimento escrupuloso das obrigações dos serviços públicos concessionados. É que é insustentável continuar a nivelar por baixo ou a colocar debaixo do tapete e longe do alcance dos cidadãos o que não é conveniente ao momento.
NOTAS FINAIS
Assertivo. O destino das manigâncias legislativas opacas só poderia ser o veto presidencial, depois do alarme social gerado.
Seletivo. É uma delícia constatar o pretenso zelo de investigação judicial a norte, a oportunidade dos sopros noticiosos, a inação dominante e a conveniente incompetência em alguns processos. Deve ser por isso que é convicção popular que, quando houver mudanças de liderança clubística, haverá muita verdade retroativa a ser descoberta.
Militante do Partido Socialista