Na Europa, Estados Unidos, Ásia e África, uma série de sucessivos fenómenos levaram a que o planeta mudasse de rumo ou, pelo menos, a que a mentalidade de grande parte da sua população mudasse.
Em Portugal, a queda de Salazar lançava as sementes da revolução; em França, o movimento estudantil ganhava uma expressão violenta e exigia liberdade; as imagens da fome em África despertaram a sensibilidade generalizada das pessoas; nos EUA, Luther King iniciava o sonho da população negra e as convulsões sociais mudavam o curso da guerra no Vietname; e a conquista do espaço e as primeiras imagens da Terra vista lá de cima expunham a nossa insignificância enquanto seres vivos. Hoje, volvidos 50 anos, podemos dizer que o ano das revoluções mudou o mundo. Para melhor? Certamente que sim, mas diria que o saldo final, volvidos 50 anos, se desviou bastante do que era então o foco dos movimentos a que assistimos, expectantes e esperançados num mundo melhor. É difícil definir o que se passou em 68 e porque, de repente, contagiou todo o mundo. Não sei onde se deu a primeira fagulha, o importante é que se deu e incendiou (positivamente) todo o planeta. Hoje como há 50 anos, precisamos de uma nova acendalha que incendeie e acorde a humanidade. Onde? Pouco importa. O que realmente importa é que seja contagiante e alastre a todo o globo. Evoluímos mais nos últimos 18 anos do que ao longo de toda a história da humanidade, mas essa evolução não foi, não é e não continuará a ser benéfica para todos. Pelo contrário, cada vez mais o benefício da evolução se restringe a uma pequena franja da humanidade.
Temos todos consciência disso e temos todos (pelo menos os que podemos atear a acendalha) acesso às evidências desta desigualdade. Tal como em 68, em que as imagens da imprensa tiveram um impacto determinante no desencadear de diversos movimentos de revolta, também hoje temos acesso a milhares de imagens e relatos que nos despertam a consciência. O problema é que é de curta duração esse rebate de consciência e rapidamente desviamos o foco da nossa indignação. Ficamo-nos pela mesa do café e pelo post nas redes sociais.
Mas era importante que 2018 fosse um ano de, pelo menos, mudança de atitude perante o rumo dos acontecimentos. Não estou a apelar à revolta nem à insurreição. Nada disso. Hoje dispomos de uma liberdade de que não dispúnhamos em 68, podemos intervir, reivindicar e tomar posições. Podemos não adormecer no sofá ou no impulso consumista do novo gadget. O mundo iniciou a sua mudança em 68 mas, infelizmente, nem tudo mudou para melhor e, em alguns aspetos, acabamos apenas por dar uma volta de 360 graus e voltamos hoje a ter os mesmos problemas que no passado. Continua a haver miséria e fome em África; tivemos mais conflitos armados nos últimos 20 anos que em toda a história moderna; a xenofobia cresce a olhos vistos por todo o lado; a segregação ou, pelo menos, a discriminação racial é ainda uma realidade; e a desigualdade de género perdura.
A pergunta que devemos fazer é se somos efetivamente livres ou se estamos condicionados pelos encargos e compromissos que assumimos perante a sociedade. Não sei a resposta mas, tal como Martin Luther King disse em 68, a liberdade nunca é dada, tem de ser conquistada.
Escreve à quinta-feira