Rajoy marca a batalha para 17 de janeiro

Rajoy marca a batalha para 17 de janeiro


Governo espanhol já tem guião para o dia em que o parlamento catalão vai reunir. A justiça, por sua vez, investiga 100 independentistas.


OPresidente do Governo de Espanha, e líder do Partido Popular, que atualmente, em virtude da aplicação do artigo 155 da Constituição, governa a Catalunha, apesar de ter recolhido apenas 4,24% dos sufrágios nas eleições regionais de 21 de dezembro, convocou o parlamento da Catalunha para reunir no dia 17 de janeiro. Mariano Rajoy avisou que quaisquer que sejam os componentes do novo executivo, terão de governar «dentro da lei». O que em linguagem política significa que a maioria dos deputados eleitos neste parlamento podem ser independentistas dentro de casa, desde que isso não transpire para nenhuma ação política nas ruas.

A vice-presidente do Governo, Soraya Saénz de Santamaria – que durante a campanha eleitoral ufanou-se que foi responsabilidade sua, do PP e de Mariano Rajoy que os independentistas estivessem «decapitados», com os seus líderes na prisão, manifestando uma versão muito espanhola da separação do poder executivo e judicial – foi encarregue de contactar os partidos catalães para sondar a sua opinião sobre a data. Falou com todos os partidos que elegeram deputados no parlamento catalão, menos com os independentistas anticapitalistas da CUP, que excluiu por decisão própria. 

Rajoy já decidiu como e em que limites se poderá passar esta sessão dos deputados eleitos pelos catalães. Tem, pelos vistos, um guião já devidamente assinalado para o dia. Da mesma maneira, que decidiu que a imposição do artigo 155 lhe dava poderes para demitir o governo catalão, extinguir o parlamento e convocar novas eleições – coisa que grande parte dos constitucionalistas do país vizinho consideraram ilegal – , veio agora sublinhar, na comunicação oficial que fez de fim do ano político, que «não poderá haver uma investidura telemática», tentando assim impossibilitar que a maioria do parlamento, resultado do voto dos catalães, indigite Carles Puigdemont como deputado, evitando deste modo que ele seja eleito presidente do novo governo catalão.

Ao mesmo tempo que condiciona a livre decisão dos eleitos nas urnas, o executivo do PP, a que o Ministério Público espanhol e a Guarda Civil estão hierárquica e funcionalmente subordinados,  já estão, cumprindo as ordens dos seus ministros, a investigar mais de 100 políticos independentistas, grande parte eleitos no novo parlamento, e a sua alegada participação nos crimes de ‘rebelião’ e ‘sedição’, que têm uma moldura penal que pode ir até 30 anos de prisão. O governo conta que, apesar da lei espanhola ser explícita e apenas poder ser acusado de ‘rebelião’ quem tiver promovido ações violentas e armadas contra a ordem constituída, os juízes consigam uma acusação, apesar dessas minudências legais.

Nesse sentido, a Guarda Civil já enviou ao titular do processo no Supremo Tribunal, o juiz Pablo Llarena, que as manifestações pelo dia da Catalunha (as Diadas que se realizam todos os anos a 11 de setembro) foram um crime, porque lá se «lançavam os gérmenes do ódio a Espanha». Um tipo de acusação que, a ser acolhida pelo magistrado, podia colocar em causa o direito à livre manifestação, consignado na totalidade das leis magnas dos países democráticos e também de Espanha. 

Por sua vez, o Partido Nacionalista Basco, que governa a Comunidade Autonómica Basca, e de cujos votos está dependente o governo de Rajoy, apoiado pelo Ciudadanos, para aprovar o Orçamento de Estado, já reiterou que a sua eventual participação em qualquer aprovação de contas do Estado espanhol está dependente da resolução da questão catalã e vai muito além do simples levantamento do artigo 155, terá de se nomear um novo governo com o apoio maioritários dos deputados, o que, tendo em conta os resultados das eleições, teria de ser independentista.

O porta-voz do PNV no Senado, Jokin Bidarratz, foi muito claro. A situação política na Catalunha tem demasiadas incógnitas. A política do PP, Ciudadanos e PSOE limita-se «a colocar uma venda e a fechar os olhos», e a não querer entender que há um «problema político», que tem de ser resolvido de uma forma política e negociada: «Se mais de dois milhões de pessoas foram votar no referendo de 1 de outubro, posteriormente confirmado com a maioria parlamentar de 21 de dezembro, é porque há muita gente que quer ir nessa direção [da independência]; enquanto não aceitem a realidade, pouco podem fazer para a resolver», declarou o porta-voz da força política que dirige o governo basco. Bidarratz recordou que «há gente presa por defender um programa [político] que foi o mais votado no dia 21 de dezembro», por isso, os dirigentes do PNV consideram fundamental resolver-se a questão dos ministros e independentistas catalães presos e permitir o regresso e a nomeação de Puigdemont como presidente do governo.

A invenção da Tabérnia

Recentemente, vários dirigentes do PP, inclusive os seus líderes, lançaram uma piada nas suas contas nas redes sociais, na forma de um alegado manifesto para a formação da Tabérnia (neologismo formado pela contração das palavras Tarragona e Barcelona, províncias em que supostamente os independentistas não seriam as forças mais votadas). Essa reivindicação macaqueava supostos argumentos independentistas, como terem identidade própria e pagarem mais impostos para o resto da Catalunha do que recebiam em troca em benefícios sociais. O contra-ataque dos independentistas não se fez esperar e denunciaram o mapa como «manipulador», a soma dos partidos independentistas é maior que a dos constitucionalistas até na Tabérnia… ficando de fora poucas localidades em que isso não se verifica.

Aliás, a realidade política na Catalunha tem estado em profunda mutação nos últimos anos. Antes de 2012, eram cerca de 25% os eleitores catalães que queriam a independência; em outubro de 2017, passaram a 48%. A maioria dos estudos sociológicos apontavam que os eleitores espanholistas se concentravam entre os muito ricos e os mais pobres, estes maioritariamente de origem imigrante de outras localidades de Espanha, era o caso da chamada cintura vermelha de Barcelona, que de feudo tradicional do PSC passou a dar maioria ao Ciudadanos. Por sua vez, os eleitores independentistas concentravam-se na população mais nova, mais escolarizada e eram maioritariamente de classe média, desde a baixa até a alguns setores da alta. 

Uma análise mais recente, centrada sobretudo no eleitorado citadino, publicada pelo site El Diario, dá conta que mesmo esta constante sociológica se está a alterar profundamente, jogando para essa mudança fatores cruzados: os independentistas cresceram significativamente em votos nos bairros operários mais pobres, constituídos por imigrantes, ficando ainda assim minoritários; e perderam sufrágios nos bairros de classe média, com rendimentos superiores aos 39 000 euros anuais, ainda assim conservando-se em maioria.

Na Catalunha, com 25% dos eleitores provenientes de outras regiões de Espanha, e com mais de 70% com avós fora da Catalunha, o independentismo está a tornar-se mais uma questão política e de quem manda, do que uma questão puramente nacionalista.