Subitamente no crepúsculo do ano


O financiamento partidário, com recursos públicos, é um tema demasiado sério para jogadas quase clandestinas


Como em qualquer ano agridoce, quando os protagonistas aprendem pouco com os erros e com as circunstâncias, o risco de reincidência é grande. O caso da aprovação, pela calada dos procedimentos e da agenda parlamentar, de legislação sobre financiamento dos partidos políticos é bem o exemplo dessa realidade e das suas projeções. A opacidade, a falta de explicação e o cheiro a manigância nas costas de alguém são sempre terreno fértil para o populismo, que muitos dizem querer combater. Nem secretismo, nem populismo, nem tão pouco miserabilismo. Esta deveria ser a linha democrática de afirmação das instituições de um Estado Democrático com mais de quatro décadas de vida, mas não. Há na República quem ache que ainda se pode fazer tudo sem que isso seja levado à luz do dia, escrutinado por quem esteja mais atento à realidade ou questionado por um cidadão interessado em saber o sentido da opção política. Há na República quem ache que se gasta demasiado na política, no funcionamento da Democracia e na remuneração dos titulares de cargos políticos. Uns e outros estão desfasados do bom senso e equilíbrio que se impõe, sendo uma ameaça ao regular funcionamento da Democracia.

Há protagonistas políticos no ativo que vivem há anos em circuito fechado, semi-alheados da realidade e do pulsar de uma sociedade com novas realidades e redobradas exigências. Durante o ano de 2018, com maior ou menor expressão, são vários os exemplos de pretensa opacidade que acabou mal, mas eles insistem na falta de transparência, na construção de narrativas sem nexo e na falta de explicação. Não mudam o “chip” do exercício de funções públicas para uma realidade com mais interação, maior transparência e maior informação. Podem ir sobrevivendo, mandato após mandato, mas acabam por contribuir para minar os pilares da Democracia e alimentar os populismos que por aí gravitam.

A Democracia, como qualquer sistema tem os seus custos, sempre sujeitos a populismos de quem oscila entre a saudade do governo de um homem só; de quem se alheia das responsabilidades ou dos amantes da anarquia. A questão está em fundar esses custos num funcionamento democrático adequado ao nosso tempo, com protagonistas disponíveis para novas formas de participação na decisão, de maior transparência nas decisões e de interação entre eleitos e cidadãos. A questão está num exercício pedagógico de funções públicas em que os cidadãos tenham a noção do que deve ser esse desempenho e consigam fazer a separação entre o trigo e o joio. Os cargos públicos, como tantos outros exercícios na vida, são aquilo que os seus titulares quiserem que sejam. Podem ser o 8 ou 80. Aliás, como se comprova pelos contrates presidenciais, desde logo entre Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa.

Os partidos políticos, com matrizes e modelos de organização muito diversos, têm, no essencial, estruturas de funcionamento muito onerosas e desfasadas da realidade. Têm modelos de sobreocupação do território, com muitas sedes partidárias, próprias ou arrendadas, que são um sorvedouro de recursos que deveriam estar alocados à ação política e à informação das suas posições. A estrutura tem um custo que já não é suportado pelos recursos existentes, dos militantes ou do financiamento do Estado. Daí a centralidade da Festa do Avante, sem escrutínio fiscal, ou dos contributos dos eleitos do PCP para a sustentação do maior aparelho político-partidário do país. Daí algumas das soluções agora consagradas nas alterações ao financiamento partidário concretizadas na enxurrada legislativa pré-natalícia.

Aliás, as enxurradas legislativas são propícias às tentações. E desta vez o Diabo pode mesmo ter surgido a fechar o ano parlamentar. Ou para lamentar.

O financiamento partidário, com recursos públicos, é um tema demasiado sério para jogadas quase clandestinas. É certo que é daquelas questões em que ninguém quer assumir as responsabilidades, mas todos não se importam de beneficiar. Teria bastado que o CDS-PP não tivesse estado contra as alterações para que não fosse tema. Falharam os republicanos que prezam o sistema, os pseudo-moralistas de esquerda e de direita e os jornalistas parlamentares sempre tão atentos aos pormenores, mas amiúde distraídos das agendas, dos diplomas e das substâncias.

Todos teremos a ganhar como cidadãos, se o Estado for mais transparente nas suas opções, os partidos políticos forem mais explicativos das suas posições e propostas, as campanhas eleitorais forem organizadas para informar e não para o folclore e a comunicação social encontrar espaços de debates que clarifiquem as propostas políticas, as opções e as consequências dessas opções.

A não ser assim, com decisões pela calada da noite ou da enxurrada legislativa, continuarão a alimentar margem de manobra para o populismo ou para a eclosão de novas realidades de mudança e rutura. As ruturas podem ser positivas desde que direcionadas para servir as pessoas, o funcionamento da sociedade e a construção de um futuro com mais sustentabilidade.

A todos um 2018 sem os travos agridoces desde 2017, sempre com saúde, porque o resto vem por acréscimo. Assim, exista vontade pessoal, política e comunitária. Bom Ano Novo.

NOTAL FINAL

Há uma diferença entre um Patrão e um gestor. Depois de várias declarações públicas sobre opções de reivindicação da devolução do IVA em gastos de campanha eleitoral, em sintonia com posições de instituições do Estado, assumidas pela Direções Nacionais do PS antes de 2014, a legislação aprovada neste ponto, vem clarificar esse direito. Afinal, a conversa era só mesmo para chatear. É de gente poucochinha.

Militante do Partido Socialista, Escreve às quintas feiras