Os passos de Passos


Apesar de alguns erros políticos, Portugal deve reconhecer méritos a Passos. O seu grande momento foi quando estancou a grande birra de Portas e o desacreditou politicamente com uma promoção


Brevemente Passos Coelho deixa a liderança do PSD, ao qual nunca chamou PPD/PSD. Esteve em funções oito longos e difíceis anos, o que o tornou o segundo líder que mais tempo esteve à frente do partido, a seguir a Cavaco.

Abstraindo da forma como chegou ao poder boicotando a sua antecessora e contribuindo ativamente para o advento de Sócrates e, portanto, para o esbulho de que o país foi vítima, Passos Coelho teve virtudes e falhas que importa passar em revista nos seus aspetos gerais.

Quando chegou ao governo em coligação com o CDS/PP, Passos não tinha nem o estofo nem a preparação política e económica para a função. Tinha apenas, o que é muito, o hábito da luta partidária, a legitimidade política obtida em urnas e a convicção de que resolveria tudo com a austeridade e a venda das grandes empresas nacionais.

Inicialmente, Passos não foi verdadeiramente um primeiro-ministro, mas antes executante obediente. Quem dava a orientação estratégica era a troica que ele próprio tinha acolhido pela mão do sempre solicito Catroga que negociou o acordo com o cangalheiro da nossa economia, Teixeira dos Santos, que hoje pontifica numa instituição bancária angolo-lusitana.

No quotidiano, quem tudo inspirou internamente nesse tempo (sobretudo nas privatizações) foi o malogrado António Borges que era o verdadeiro ministro da economia, enquanto nas finanças pontificava o procônsul da troica Vítor Gaspar, mais tarde gratificado com um confortável lugar em Washington.

Passos era mais um delegado do que o chefe do governo de um país soberano. Mas uma coisa é certa. Passos herdou e não causou diretamente o caos em Portugal. E no muito que a economia teve de mudar com vendas de empresas a pataco, ninguém lhe pode apontar envolvimentos com interesses pessoais, o que é raríssimo. Fez mal ao querer ir para além da troica. Mas estava convencido pessoalmente e pelos seus mais próximos de que era a solução. Não percebeu que havia um caminho menos doloroso como alguns, até no PSD, apontavam com razão, como se vê hoje.

A verdadeira fibra política de Passos revelou-se com a crise da demissão irrevogável de Portas. Passos não cedeu à birra por causa da nomeação (de resto errática) de Maria Luís Albuquerque depois da fuga de Gaspar que finalmente tinha percebido que o remédio estava a matar o Portugal. Nessa altura, viu-se que Passos tinha crescido e ganho consistência de Estado. Muitos vacilariam. Mas ele não. Tomou conta da ocorrência, deu duas lambadas no prevaricador fugitivo e depois deu-lhe um doce, promovendo-o no governo, satisfazendo-lhe o ego e deixando-o viajar pelo mundo à “Lagardère”. Foi caro, mas eficaz. Portas morreu politicamente, afogado na sua vaidade de vice-primeiro-mistro. Mas aproveitou para preparar o futuro, como é patente pelas suas atuais consultorias estrangeiras.

Passos, porém, voltou a errar politicamente por teimosia. Não percebeu que deveria retificado o tiro e apoiado Marcelo para presidente que havia achincalhado numa moção do PSD em que aludia a cataventos. Mais grave ainda, não percebeu que aquando da saída da troica deveria ter correspondido com um alargar do cinto e deixado o tom sorumbático de autoflagelação, optando por um de esperança patriótica e mobilizadora. Sabe-se hoje que uma alteração a esse nível teria a maioria absoluta ao campo do PSD/CDS.

Mesmo assim, os portugueses reconheceram-no e, cumprida a legislatura, o PSD voltou a ser o maior partido parlamentar, cabendo-lhe indicar o chefe do governo. Passos tentou, mas, obviamente, caiu na Assembleia, perante uma esquerda finalmente unida. Não entendeu, o que lá vinha com a geringonça e a estratégia de retoma que ele rejeitou.

Se tem mudado o rumo e o ambiente psicológico a tempo, Passos teria ganho largamente as eleições. Quando não conseguiu ver aprovado o seu segundo programa de governo, deveria ter saído logo da liderança do PSD. Fez mal em ficar. Fez oposição à Velho do Restelo e as coisas não lhe correram bem. Quanto mais falou no diabo, mais a economia se recompôs. Além disso, fez péssimas escolhas nas autárquicas que desvalorizou. Face aos resultados, ele que é cerebral precipitou-se. Atirou a toalha ao chão, quando se tivesse resistido mais uns dias, teria verificado que os cenários não foram tão maus como isso, salvo em Lisboa e no Porto, onde ele devia ter apostado em candidatos minimamente capazes.

Saiu quando podia ter ficado e ficou quando devia ter saído. Mas, reconheça-se, Portugal deve-lhe uma homenagem, pela convicção, pela firmeza e pelo espirito de sacrifício até pessoal que mostrou, sabendo enfrentar com rara dignidade uma situação pessoal difícil motivada pela doença da sua mulher.

Passos sai de cena. Ninguém sabe se por um tempo ou para sempre. Tornou-se mais consistente, mais credível, mais sólido aos olhos dos portugueses, mas não menos teimoso. Não tem a bonomia de certos estadistas que sabem perder para se reerguer. Mas ninguém pense que ele passou a ser uma carta fora do baralho. Passos é ainda um trunfo potencial…

Jornalista