Luxo espacial. Não há vista como esta

Luxo espacial. Não há vista como esta


A agência espacial russa, Roscosmos, e a principal construtora espacial, a RKK Energia, têm um plano para criar um hotel de luxo na Estação Espacial Internacional. Quem quiser pode pagar uma semana ou duas de estadia e até, por uma taxa suplementar, acompanhar um cosmonauta numa saída espacial


O preço pode ser exorbitante para as bolsas comuns, mas a agência espacial russa, Roscosmos State Corporation (RKK), promete experiência única e um quarto com uma vista privilegiada para o planeta Terra. De acordo com Anatoly Zak, autor do livro Russia in Space, the Past Explained, the Future Explored, num artigo escrito no site Popular Mechanics, o hotel de luxo em órbita será construído na Estação Espacial Internacional (EEI), num módulo acoplado que, por fora, é em tudo semelhante ao Módulo de Energia e Ciência (NEM-1), mas por dentro terá janelas panorâmicas, instalações sanitárias, equipamento de exercício e até Wi-Fi.

Os interessados em passar uma ou duas semanas no espaço, numa órbita baixa (400 km) sobre a Terra, terão de pagar 40 milhões de dólares. Com mais 20 milhões, o felizardo endinheirado poderá ficar até um mês e acompanhar um cosmonauta numa saída espacial.

O módulo de 15,5 metros de comprimento e 92 metros cúbicos de espaço pressurizado albergará quatro habitações com dois metros cúbicos cada e duas estações “higiénicas e médicas” da mesma dimensão. Cada quarto terá uma pequena janela de 228 milímetros, mas o espaço comum do módulo terá uma janela panorâmica de quase meio metro de largura. A construção deste módulo turístico deverá custar entre 16,4 mil milhões de rublos (237,8 milhões de euros) e 26,2 mil milhões de rublos (380 milhões de euros).

A RKK foi pioneira do turismo espacial nos anos 1990, alugando espaço na estação espacial Mir ou vendendo viagens a milionários até a EEI. Essa atividade teve de ser interrompida depois de os russos terem ficado sozinhos no transporte de astronautas (com a retirada pela NASA dos vai-vens) e das agências espaciais de outros países terem reservado os lugares todos por adiantado. Com a perspetiva de ficar com mais lugares disponíveis, tendo em conta o desenvolvimento dos projetos de transporte espacial privado atualmente em marcha (ver texto ao lado), a RKK Energia, principal construtor espacial russo, regressa agora à sua velha atividade de promoção turística orbital.

A construtora está atualmente a construir o NEM-1, para o qual tem financiamento público. Para o NEM-2 foi preciso, no entanto, arranjar uma forma público-privada de o financiar. A ideia é transportar dois turistas acompanhados de um astronauta em cada viagem da Soyuz com espaço disponível. Se forem quatro viagens anuais, a RKK calcula que poderá levar seis turistas para as estadias curtas, enquanto na outra transportará os astronautas/cosmonautas que ficarão um ano na EEI. Se tudo correr como planeado, em sete anos poderão ter o NEM-2 totalmente pago.

O plano está pensado ao pormenor. Para suprir os custos de arranque, querem recorrer ao mesmo esquema usado pela Virgin Galactic no princípio do seu desenvolvimento – vender bilhetes por antecipação. Quem quiser reservar a viagem e a estadia no espaço terá de pagar à cabeça quatro milhões de dólares; pagando depois mais 12,6 milhões durante os dois anos que durar a espera; e, por fim, 10,8 milhões de dólares na altura da viagem. Uma promoção para os 12 primeiros felizardos.

A agência espacial russa acredita quecom o mercado dos multimilionários a crescer. De acordo com o “Credit Suisse Global Wealth Report” do ano passado, o número de indivíduos com fortunas superiores a 50 milhões de dólares tem aumentado nos últimos anos e os cálculos apontam para que em 2021 haja 200 mil pessoas nessa situação no mundo. A RKK só precisa que 36 deles se interessem em tornar-se turistas espaciais para obter lucro com o seu hotel orbital.

Claro que uma coisa é o plano no papel e o otimismo das previsões, outra prende-se com as dificuldades técnicas deste projeto que sendo real não deixa de ter a sua pontinha de ficção científica. Se o NEM-1 e o NEM-2 parecem iguais, as suas funções não podiam ser tão diferentes. O NEM-1 destina-se a laboratório científico e produção de energia para a estação espacial (deverá estar pronto em 2021); o NEM-2 tem de ser um espaço com comodidade, capaz de albergar várias pessoas em segurança e conforto. Ainda para mais quando há uma janela temporal inultrapassável: a EEI tem o seu fim anunciado para 2028.

Se, como a própria RKK Energia calcula, a construção do NEM-2 demorará cinco anos, este só estará pronto para receber os seus primeiros turistas quando muito em 2023. Isto se a complexidade do projeto não atrasar a sua conclusão. No entanto, mesmo que tudo corra como planeado e se consigam cumprir os cinco anos de construção, aquilo que não há forma de garantir são os sete anos apontados como necessários para conseguir pagar o investimento e obter lucro de acordo com o plano financeiro da própria empresa estatal.