Boxing Day


No Reino Unido, neste dia 26 de dezembro, celebra-se sempre o Boxing Day. Um feriado em que os maridos é que preparam o pequeno-almoço e em que, obrigatoriamente, as equipas de futebol jogam, mesmo que tenham jogado dois dias antes


A origem do “Boxing Day” é inglesa, mas estendeu-se aos diversos países do Império Britânico, e com a dinâmica financeira, já há quem postergue o feriado para um dia mais “conveniente”. Todavia, continua a ser uma espécie de dia sagrado, tão importante como o Natal, ou o seu corolário, e ao nível do Rodolfo, a rena de nariz encarnado, os duendes ou o Menino Jesus.

Quando vivi em Oxford tive a oportunidade de viver também o Natal britânico. É um Natal em que o espírito comunitário se mantém forte – designadamente nas escolas e pequenas aldeias – e o espírito de dádiva e de pensar no Outro, que deveria ser o espírito de Natal sobre o qual escrevi na semana passada, estão bem presentes.

Em alguns países europeus, de inspiração luterana, como a Alemanha, Bélgica, Holanda ou os países nórdicos, o 26 de dezembro é celebrado como o “segundo dia de Natal”.

Qual a origem deste Dia? Se recorremos ao Oxford English Dictionary, podemos ver que remonta, pelo menos, a 1830, como “o primeiro dia de semana após o dia de Natal, observado como um feriado no qual os pós-homens, recados-meninos e servos de vários gêneros esperam receber uma caixa de natal”. A definição é curiosa e intrigante, mas o termo “boxing» ou «caixa de Natal”, significava uma gratificação que era dada aos que, de alguma forma, tinham “servido” durante o ano, ou prestado serviços.

Na prática, as “boxes” continham comida, que tinha sobrado do Natal dos mais ricos, e eram dadas aos servos que tinham autorização de ir visitar as famílias e, assim, poderem levar comida para que a sua mesa de Natal fosse um bocadinho mais “preenchida”.

A evolução da tradição fez com que, para lá da comida, as “caixas” começassem a incluir outro tipo de géneros, como roupa, brinquedos, e mais umas quantas coisas – as Igrejas colocavam caixas de metal à porta, nas quais quem quisesse depositava géneros, depois distribuídos pelos pobres – eram as caixas de Santo Estevão, cujo dia se celebra. Precisamente, a 26 de dezembro. 

Curiosamente existem regras muito precisas: se o “Boxing Day” calha a um sábado, celebra-se na segunda (dia 28), se é a um domingo, será na terça-feira, e nunca pode ser a um domingo, porque domingo era o dia de culto e o “Boxing Day” era um dia de “libertação”.

No fundo, o que está por detrás deste dia é uma celebração quase pagã, a seguir a uma religiosa (daí a obrigatoriedade dos jogos de futebol), de espírito comunitário, depois da festa mais privada da família, e de dádiva, de repartição de bens e de distribuição um pouco mais equitativa da riqueza… pelo menos num dia do ano.

Cá, em Portugal, não temos essa tradição. Todavia, poderemos, designadamente quando há crianças, rever o que receberam e o que se tornou excedentário; os brinquedos e jogos com os quais não brincam já (mas que estão bons, não apenas os partidos ou estragados!), as roupas que não servem ou que se tornaram redundantes porque ofereceram, no Natal, outras mais recentes. Isto diz também respeito aos adultos.

Numa altura em que há uma investida do “espírito” egoísta, hedonista, de “posse a toda a hora e a todo o transe”, ser frugal e cultivar essa frugalidade através da dádiva é fundamental. O que para nós é uma “tralha a mais” pode ser muito importante para outros (e muito útil). 

Depois de um Natal em que há abundância (por vezes demais, mas faz parte), em que falamos, mandamos mails ou mensagens, pensamos nos nossos familiares e amigos, talvez um “Boxing Day” que se prolongue por mais 364 dias seja possível, urgente e tranquilizador.

 

Pediatra

Escreve à terça-feira 


Boxing Day


No Reino Unido, neste dia 26 de dezembro, celebra-se sempre o Boxing Day. Um feriado em que os maridos é que preparam o pequeno-almoço e em que, obrigatoriamente, as equipas de futebol jogam, mesmo que tenham jogado dois dias antes


A origem do “Boxing Day” é inglesa, mas estendeu-se aos diversos países do Império Britânico, e com a dinâmica financeira, já há quem postergue o feriado para um dia mais “conveniente”. Todavia, continua a ser uma espécie de dia sagrado, tão importante como o Natal, ou o seu corolário, e ao nível do Rodolfo, a rena de nariz encarnado, os duendes ou o Menino Jesus.

Quando vivi em Oxford tive a oportunidade de viver também o Natal britânico. É um Natal em que o espírito comunitário se mantém forte – designadamente nas escolas e pequenas aldeias – e o espírito de dádiva e de pensar no Outro, que deveria ser o espírito de Natal sobre o qual escrevi na semana passada, estão bem presentes.

Em alguns países europeus, de inspiração luterana, como a Alemanha, Bélgica, Holanda ou os países nórdicos, o 26 de dezembro é celebrado como o “segundo dia de Natal”.

Qual a origem deste Dia? Se recorremos ao Oxford English Dictionary, podemos ver que remonta, pelo menos, a 1830, como “o primeiro dia de semana após o dia de Natal, observado como um feriado no qual os pós-homens, recados-meninos e servos de vários gêneros esperam receber uma caixa de natal”. A definição é curiosa e intrigante, mas o termo “boxing» ou «caixa de Natal”, significava uma gratificação que era dada aos que, de alguma forma, tinham “servido” durante o ano, ou prestado serviços.

Na prática, as “boxes” continham comida, que tinha sobrado do Natal dos mais ricos, e eram dadas aos servos que tinham autorização de ir visitar as famílias e, assim, poderem levar comida para que a sua mesa de Natal fosse um bocadinho mais “preenchida”.

A evolução da tradição fez com que, para lá da comida, as “caixas” começassem a incluir outro tipo de géneros, como roupa, brinquedos, e mais umas quantas coisas – as Igrejas colocavam caixas de metal à porta, nas quais quem quisesse depositava géneros, depois distribuídos pelos pobres – eram as caixas de Santo Estevão, cujo dia se celebra. Precisamente, a 26 de dezembro. 

Curiosamente existem regras muito precisas: se o “Boxing Day” calha a um sábado, celebra-se na segunda (dia 28), se é a um domingo, será na terça-feira, e nunca pode ser a um domingo, porque domingo era o dia de culto e o “Boxing Day” era um dia de “libertação”.

No fundo, o que está por detrás deste dia é uma celebração quase pagã, a seguir a uma religiosa (daí a obrigatoriedade dos jogos de futebol), de espírito comunitário, depois da festa mais privada da família, e de dádiva, de repartição de bens e de distribuição um pouco mais equitativa da riqueza… pelo menos num dia do ano.

Cá, em Portugal, não temos essa tradição. Todavia, poderemos, designadamente quando há crianças, rever o que receberam e o que se tornou excedentário; os brinquedos e jogos com os quais não brincam já (mas que estão bons, não apenas os partidos ou estragados!), as roupas que não servem ou que se tornaram redundantes porque ofereceram, no Natal, outras mais recentes. Isto diz também respeito aos adultos.

Numa altura em que há uma investida do “espírito” egoísta, hedonista, de “posse a toda a hora e a todo o transe”, ser frugal e cultivar essa frugalidade através da dádiva é fundamental. O que para nós é uma “tralha a mais” pode ser muito importante para outros (e muito útil). 

Depois de um Natal em que há abundância (por vezes demais, mas faz parte), em que falamos, mandamos mails ou mensagens, pensamos nos nossos familiares e amigos, talvez um “Boxing Day” que se prolongue por mais 364 dias seja possível, urgente e tranquilizador.

 

Pediatra

Escreve à terça-feira