Balanço: Os livros em 2017. As Mil e Uma Noites – Uma história das arábias.

Balanço: Os livros em 2017. As Mil e Uma Noites – Uma história das arábias.


“As Mil e Uma Noites” – 1.º vol. Tradução de Hugo Maia (E-Primatur) é uma das escolhas de Teresa Carvalho entre os livros publicados este ano


Há livros que parecem ser tanto o seu miolo original como a história da sua marcha no curso dos séculos. É o caso deste envolvente clássico da literatura universal, cuja própria história, sem princípio definido nem fim à vista, começa a meio, no século XVIII. Era já muito depois dos tapetes voadores, dos califas e das iras divinas.

Há quem o tenha vestido com peças a mais, recolhidas aqui e acolá, engalanado com notas de rodapé e enchumaços de fabricação tardia. Ali Babá nunca morou no famoso clássico da literatura universal. E é francês o berço do Génio da Lâmpada, freneticamente esfregada em edições tardias. Mais: a colectânea não reúne, afinal, 1001 histórias, um número simbólico que se defende da superstição árabe em relação aos números redondos. Este 1.º volume (de dois) pára na 101.ª noite. A cuidadíssima tradução de Hugo Maia, feita a partir dos mais antigos manuscritos árabes, é um abre-te Sésamo da fábrica das aldrabices em torno das “Mil e Uma Noites”. Vai marcar data.

28.ª Noite

“Ouvi dizer, ó rei bem-aventurado, que era uma vez na cidade de Bagdade um homem solteiro que exercia o mister de carregador. Certo dia, lá estava ele encostado à sua cesta à espera de fregueses, quando apareceu uma mulher enrolada num manto de musselina, encimado por um véu de seda seguro por uma bandana bordada a oiro, calçando uns botins de coiro avermelhado atados com laços esvoaçantes e uma polainas com franjas. Ao destapar a cara, revelaram-se uns lindo olhos negros acompanhados por longas pestanas, de suaves e ternurentos contornos que rivalizavam com a perfeição, e que só os poetas sabem descrever.

Ora, vai a dama e diz, com uma voz meiguinha e doce: «Ó carregador, traz a tua cesta e segue-me!»”