A câmara fora da lei


Decisão do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional taxa municipal de proteção civil em Lisboa foi um final abrupto para a mentira da taxa-que-afinal-não-o-era


Qualquer estudante de Direito aprende nos bancos da Faculdade a distinguir entre taxas e impostos. Na Câmara de Lisboa, no entanto, parece que toda a gente desconhece essa distinção elementar, desde o Presidente da Câmara, passando pelo Vereador das Finanças e acabando no exército de assessores regiamente pagos, pelos vistos incapazes de assessorar o que quer que seja. Só isso explica a insistência na cobrança da taxa municipal de protecção civil em Lisboa, contra tudo e contra todos, mesmo depois dos sucessivos avisos de inconstitucionalidade, uma vez que essa “taxa” não passava de um adicional ao IMI cobrado em Lisboa.

Logo que esta pretensa “taxa” foi lançada, a Associação Lisbonense de Proprietários, a que presido, procedeu à sua impugnação junto dos tribunais administrativos. Da mesma forma, inúmeros cidadãos anónimos reclamaram e impugnaram a “taxa” junto dos tribunais. A todas essas reclamações e impugnações a Câmara respondeu com puras patranhas jurídicas, sempre a querer negar o óbvio. Mesmo depois de Setembro passado, quando o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a taxa cobrada em Gaia, a Câmara de Lisboa não apenas insistiu, dizendo que as situações não eram comparáveis, como voltou a cobrar a referida “taxa”. E, por último, há dias aprovou o orçamento municipal para 2018, onde incluiu a cobrança dessa mesma “taxa”, com um voto de desempate do presidente Fernando Medina, depois de uma vergonhosa abstenção do vereador Ricardo Robles, contra tudo o que o seu partido tinha afirmado em campanha. 

Mas, como dizia Lincoln, não se pode enganar todos durante todo o tempo e a mentira da taxa-que-afinal-não-o-era teve um fim abrupto, com a decisão do Tribunal Constitucional que a julgou inconstitucional com força obrigatória geral, o que por lei obriga a Câmara a devolver tudo o que tinha cobrado, naturalmente com os juros devidos pela cobrança indevida de prestação tributária.

Só que, em vez de cumprir o que a lei obriga, a Câmara apresenta desculpas de mau pagador para continuar com o dinheiro. O ilustre Presidente disse que iria criar um portal e um balcão, em vez de mandar os cheques pelo correio, como fez com as ilegais liquidações e notificações dessa taxa. E o seu preclaro Vereador das Finanças disse que a autarquia não vai pagar juros por iniciativa própria, uma vez que, segundo ele, “as pessoas têm que solicitar os juros e têm de fundamentar. A Câmara não pode fazer de outra maneira, porque é isso que diz a lei”. E por isso naturalmente “não conta pagar muito juros”. Não há ninguém no exército de assessores da Câmara que possa ler ao Senhor Vereador o art. 43º da Lei Geral Tributária que obriga ao pagamento de juros indemnizatórios sempre que se apure que por erro imputável aos serviços os contribuintes pagam tributos que não deveriam pagar?

O que este triste episódio demonstrou é que, apesar de Portugal ser um Estado de Direito, houve uma autarquia, curiosamente a da capital do país, que se colocou voluntariamente fora da lei, e só passados três anos a legalidade foi reposta pelo Tribunal Constitucional. Mas mesmo depois dessa decisão, a referida autarquia persiste em não cumprir a lei, ainda querendo tirar proveito da sua conduta ilegal, como ocorrerá se não pagar os juros devidos aos cidadãos a quem abusivamente cobrou tributos ilegais. Até quando a ilegalidade continuará a imperar na capital do nosso país? 

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990 


A câmara fora da lei


Decisão do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional taxa municipal de proteção civil em Lisboa foi um final abrupto para a mentira da taxa-que-afinal-não-o-era


Qualquer estudante de Direito aprende nos bancos da Faculdade a distinguir entre taxas e impostos. Na Câmara de Lisboa, no entanto, parece que toda a gente desconhece essa distinção elementar, desde o Presidente da Câmara, passando pelo Vereador das Finanças e acabando no exército de assessores regiamente pagos, pelos vistos incapazes de assessorar o que quer que seja. Só isso explica a insistência na cobrança da taxa municipal de protecção civil em Lisboa, contra tudo e contra todos, mesmo depois dos sucessivos avisos de inconstitucionalidade, uma vez que essa “taxa” não passava de um adicional ao IMI cobrado em Lisboa.

Logo que esta pretensa “taxa” foi lançada, a Associação Lisbonense de Proprietários, a que presido, procedeu à sua impugnação junto dos tribunais administrativos. Da mesma forma, inúmeros cidadãos anónimos reclamaram e impugnaram a “taxa” junto dos tribunais. A todas essas reclamações e impugnações a Câmara respondeu com puras patranhas jurídicas, sempre a querer negar o óbvio. Mesmo depois de Setembro passado, quando o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a taxa cobrada em Gaia, a Câmara de Lisboa não apenas insistiu, dizendo que as situações não eram comparáveis, como voltou a cobrar a referida “taxa”. E, por último, há dias aprovou o orçamento municipal para 2018, onde incluiu a cobrança dessa mesma “taxa”, com um voto de desempate do presidente Fernando Medina, depois de uma vergonhosa abstenção do vereador Ricardo Robles, contra tudo o que o seu partido tinha afirmado em campanha. 

Mas, como dizia Lincoln, não se pode enganar todos durante todo o tempo e a mentira da taxa-que-afinal-não-o-era teve um fim abrupto, com a decisão do Tribunal Constitucional que a julgou inconstitucional com força obrigatória geral, o que por lei obriga a Câmara a devolver tudo o que tinha cobrado, naturalmente com os juros devidos pela cobrança indevida de prestação tributária.

Só que, em vez de cumprir o que a lei obriga, a Câmara apresenta desculpas de mau pagador para continuar com o dinheiro. O ilustre Presidente disse que iria criar um portal e um balcão, em vez de mandar os cheques pelo correio, como fez com as ilegais liquidações e notificações dessa taxa. E o seu preclaro Vereador das Finanças disse que a autarquia não vai pagar juros por iniciativa própria, uma vez que, segundo ele, “as pessoas têm que solicitar os juros e têm de fundamentar. A Câmara não pode fazer de outra maneira, porque é isso que diz a lei”. E por isso naturalmente “não conta pagar muito juros”. Não há ninguém no exército de assessores da Câmara que possa ler ao Senhor Vereador o art. 43º da Lei Geral Tributária que obriga ao pagamento de juros indemnizatórios sempre que se apure que por erro imputável aos serviços os contribuintes pagam tributos que não deveriam pagar?

O que este triste episódio demonstrou é que, apesar de Portugal ser um Estado de Direito, houve uma autarquia, curiosamente a da capital do país, que se colocou voluntariamente fora da lei, e só passados três anos a legalidade foi reposta pelo Tribunal Constitucional. Mas mesmo depois dessa decisão, a referida autarquia persiste em não cumprir a lei, ainda querendo tirar proveito da sua conduta ilegal, como ocorrerá se não pagar os juros devidos aos cidadãos a quem abusivamente cobrou tributos ilegais. Até quando a ilegalidade continuará a imperar na capital do nosso país? 

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990