Turquia. Críticas a Erdogan podem valer prisão a atleta da NBA

Turquia. Críticas a Erdogan podem valer prisão a atleta da NBA


Enes Kanter enfrenta uma acusação de “injúrias ao presidente” turco, com o Ministério Público a pedir entre um a quatro anos de prisão. Para já, todavia, o cenário de extradição do pivô dos New York Knicks não parece estar em cima da mesa


Enes Kanter, dos New York Knicks, provavelmente o melhor basquetebolista turco da atualidade, está em maus lençóis. O atleta, de 25 anos, nascido em Zurique (Suíça), mas de nacionalidade turca, nunca escondeu a antipatia que sente pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Agora, enfrenta uma acusação de “injúrias ao presidente” que lhe podem valer entre um a quatro anos de prisão.

O Ministério Público turco alude a várias publicações de Kanter no Twitter em maio, junho e julho de 2016 – o acesso à sua conta viria mesmo a ser bloqueado na Turquia, devido a comentários do jogador após o golpe de Estado falhado de julho de 2016. Kanter é um fervoroso apoiante do chamado “Movimento Gulen”, liderado por Fethullah Gulen, imã turco considerado o organizador do referido golpe de Estado por Erdogan – o atleta chegou a escrever que o presidente da Turquia “encenou um falso golpe de Estado para poder promover um genocídio entre os seus opositores”. Por essa razão, Kanter é acusado pela Procuradoria de Istambul de “formar parte de uma organização terrorista”, tendo as autoridades turcas enviado à Interpol uma ordem de detenção para o basquetebolista e a anulação do seu passaporte.

Bilhete revogado Esta questão já valeu a Kanter uma situação complicada em maio passado. O jogador foi detido no aeroporto de Bucareste, na Roménia, durante uma digressão mundial em representação da sua fundação de cariz solidário. E tudo porque a embaixada da Turquia havia revogado o seu passaporte – nas palavras de Kanter, uma tática comum para fazer com que os críticos do governo turco sejam repatriados e assim possam ser castigados no país. Na altura, a intervenção dos Oklahoma City Thunder (a sua equipa de então), do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos e ainda dos dois senadores de Oklahoma acabou por permitir ao atleta viajar para Londres e daí regressar a Nova Iorque.

Pouco depois, num artigo publicado na plataforma online Players’ Tribune, Kanter explanou a sua visão da realidade turca atual. “As pessoas precisam de saber o que está a acontecer na Turquia neste momento. Espero que por todo o mundo abram os olhos para os abusos dos direitos humanos. As coisas pioraram muito ao longo do último ano. Isto não é uma opinião minha. O acesso aos média tem sido restringido, académicos despedidos, protestos pacíficos não são permitidos. Muitas pessoas têm sido presas sem qualquer acusação real e há notícias de tortura, violação ou pior”, escreveu o atleta. Sobre as acusações de pertencer a uma organização terrorista, reagiu desta forma: “Nunca violei uma lei. Nem uma multa por excesso de velocidade, nada. Então, sou um ‘homem perigoso’ porquê? Eu digo o que penso sobre as coisas em que acredito, sempre o fiz. Partilho os meus pensamentos no Twitter e no Facebook sobre as coisas horríveis que estão a ser feitas às pessoas na Turquia. E isso, para o governo de Erdogan, torna-me num homem perigoso.”

Enes Kanter joga na NBA desde 2011, quando foi a terceira escolha dos Utah Jazz no draft. Em setembro deste ano, mudou-se dos Oklahoma City Thunder para os New York Knicks, envolvido no negócio que levou Carmelo Anthony para os Thunder.

Desde esse mês que se declara como um “homem sem nação”. Agora, ao saber da acusação que paira sobre si, reagiu de forma irónica. “Quatro anos? Só isso? Por tudo o que tenho vindo a dizer este tempo todo?”, atirou, em declarações ao “New York Daily News” após um treino dos Knicks.

Para já, parece muito improvável que os Estados Unidos venham a extraditar Kanter. De acordo com o tratado de extradição celebrado em 1979 pelos dois países, um indivíduo só poderá ser enviado de volta para a Turquia se a ofensa for punível “pelas leis federais dos Estados Unidos e da Turquia”. Para o jogador, nos States, proferir alegados insultos a um presidente não é crime; antes é um ato de liberdade de expressão. “Vocês aqui têm direito à liberdade de expressão. Quer dizer: pelo menos, tinham…”, disparou, numa crítica velada também às ideologias defendidas por Donald Trump.

A extradição de um indivíduo dos Estados Unidos para a Turquia também não é permitida se a alegada ofensa for considerada “de caráter político” ou se o pedido para a mesma tiver sido “feito para punir a pessoa procurada por uma ofensa de caráter político ou respeitante às suas opiniões políticas”. Assim sendo, por agora, Enes Kanter pode respirar de alívio e prosseguir com a sua carreira na NBA. Apesar da “perseguição” de Erdogan.