Andam Tarzans à solta


Se querem educação, saúde e segurança social com respostas exclusivamente nacionalizadas, pagas com o dinheiro dos contribuintes, que tenham a coragem de dizer quanto custa e se o Estado tem capacidade para responder em todas as frentes


A diferença entre o que é dito e o que é feito, sempre foi parte integrante do discurso político. Em contexto de reversão de medidas e cenários, com margem financeira gerada pela ocorrência do crescimento económico impulsionado pelo turismo e pelo estado de confiança, existe espaço para sintonias e para escaladas populistas, sem cuidar da sustentabilidade e da realidade.

É um tempo propício aos Tarzans, que, de liana em liana, verbalizam pressões, enunciam reivindicações e exercitam populismo, sem serem confrontados com a inóspita ausência de suporte de experiência e de equilíbrio das propostas apresentadas. Por regra, são progressistas com as questões simbólicas ou civilizacionais e conservadores na manutenção de determinados direitos ou privilégios dos instalados no sistema.

A facilidade com que verbalizam eventuais saídas da União Europeia, o abandono do Euro ou o não pagamento do dinheiro emprestado pelos credores no quadro do pedido de ajuda à Troika, é proporcional ao seu afastamento com a realidade das consequências dessas propostas para a vida concreta das pessoas, das empresas e das instituições. Mas eles insistem.

Como se pode constatar pelas realidades enfunadas pelo perfil dessas opções ideológicas, da Albânia à União Soviética, da Coreia do Norte à Venezuela, os resultados das teorias concretizadas não abonam a favor dos proponentes. Da mesma forma que quando a esmola é grande, o pobre desconfia, quando o facilitismo toma conta do discurso e da ação política, sem o equilíbrio do bom senso e da realidade, o resultado só pode ser aquém ou além do desejado. Na novela das rendas das renováveis, em que o enfoque mediático e político-partidário foi colocado na EDP, a questão é mais abrangente e envolve fundos detentores de dívida pública portuguesa, entidades fundamentais para que, com os resultados obtidos, Portugal possa continuar a ir a mercado em condições aceitáveis e as diabolizadas agências de rating mudem a apreciação das perspetivas futuras do país. O Portugal dos decisores reais foi confrontado com o dilema do cobertor, tapava as rendas das renováveis com um regime fiscal menos favorável ou, em véspera de avaliações das agências de rating, destapava a rota de convergência dos investidores estrangeiros que têm suportado as idas ao mercado e a aquisição de dívida pública portuguesa. A resposta de senso, tantas vezes ausente do discurso político e da ação nestes últimos anos, acabou por prevalecer, em nome da credibilidade do país e de alguma estabilidade. Com coisas sérias, não se pode brincar. Mesmo na espiral de justicialismo e de ajuste de contas com os passados, há linhas vermelhas com consequências para o país, em que quem nunca teve de exercer nenhum tipo de responsabilidade política executiva deve ser confrontado com as consequências das suas propostas proclamadas aos quatro ventos. Tal com o Tarzam, que gritava muito de liana em liana, a realidade da selva acaba por se impor à gritaria. Bem pode o Bloco de Esquerda dispensar as palmadinhas nas costas das agências de rating, que quem tem de gerir os destinos do país precisa de ter perspetivas positivas para que o pulsar da nação e até algumas das opções políticas concretizadas, sem cuidar da sustentabilidade, possam continuar a ser uma realidade.

Mas os Tarzans andam à solta na saúde como na segurança social, destilando uma raivosa animosidade em relação aos privados que prestam cuidados de saúde e das instituições particulares de solidariedade social, como se em algum país do mundo, o Estado de forma isolada conseguisse responder com eficácia a todas as necessidades dos seus cidadãos. Era bom que, quando avançam com propostas eivadas de radicalismo, de preconceito ou de falta de senso, apontassem um modelo integrado de Estado, no passado ou no presente, em que as propostas que propõem são uma realidade, numa conjuntura internacional similar à nossa. Com tanta espuma no canto da boca e pretensa superioridade moral, de transparência e de alegada punção revolucionária, era bom que, além dos bancos do exercício parlamentar, soundbite ou de um qualquer púlpito de comício, experienciassem a gestão de uma IPSS ou a gestão de entidades ainda mais complexas, de preferência em sintonia com o que propõem. Isto é, ao contrário do que foi a efémera gestão autárquica do Bloco de Esquerda no município de Salvaterra de Magos, desgarrada do defendido nas narrativas nacionais, em rota de banho de realidade. Se querem educação, saúde e segurança social com respostas exclusivamente nacionalizadas, pagas com o dinheiro dos contribuintes, que tenham a coragem de dizer quanto custa e se o Estado tem capacidade para responder em todas as frentes. É como o enfoque na profissionalização do combate aos incêndios florestais, sem adequada integração e valorização do papel dos bombeiros voluntários. Nem o Estado consegue suportar uma resposta profissional integral, nem se pode entrar numa espiral de desconsideração em relação ao pilar central do dispositivo, como aconteceu antes dos incêndios florestais deste ano e acontece agora em algumas iniciativas mais ou menos simbólicas. Pode-se querer retomar em 2017, o caminho iniciado em 2007, durante a passagem de António Costa pela Administração Interna, mas, depois não se queixem que as respostas deslaçam e o ânimo não existe.

E, no entanto, proliferam os Tarzans, de liana em liana, com mais conversa que ação.

NOTAS FINAIS

Raríssima A oposição política ao governo é confrangedora. Não é bom para a Democracia, é bom para a solução governativa. Uma oposição eficaz é raríssima.

Intermitente Apesar da invulgar gravidade da situação, está à vista a incúria do empolamento das expetativas de reconstrução em Pedrógão e nas outras latitudes. Sem uma permanente liderança política do processo, há demasiados nós para serem deslaçados.

Constante Mais dinheiro, mais endividamento, ainda mais consumismo, excitação, stress e loucura. No que conta, as tradições e os afetos, Boas Festas!

 

Militante do Partido Socialista

Escreve às quintas-feiras