Com a bipolarização surgida em 1979 através da Aliança Democrática, o espetro partidário arrumou-se socialmente entre “esquerda” e “direita”, utilizando-se mais tarde o “centro” (neutro e/ou variável) para compor os polos, interessados em cativar a volatilidade do espaço sem lealdade partidária e sem convicção ideológica.
Essa segmentação de alternância foi promovida pelas sequelas da implantação da democracia parlamentar: a população estava repartida entre vários conservadorismos e outros tantos progressismos. Soares e Cunhal digladiaram-se tempo demais no contexto do combate (ou não) à democratização “popular” sovietizada, desgastaram-se personalidades nos governos precários de Eanes, a pulverização de partidos contribuiu para a desacreditação do regime, os extremismos e as tendências de sublevação aumentaram o alarme social.
A “direita” sociológica foi ganhando corpo num eleitorado desejoso de segurança nas instituições e de normalização dos poderes soberanos. O carisma das lideranças da AD, num país ainda embrionariamente politizado, fez o cimento para que esse desejo se tornasse realidade e, ademais, oferecesse uma alternativa – foi essa a visão que padronizou muitos votos até hoje.
Os grupos dissidentes dos partidos dominantes no parlamento – como os que formaram a ASDI, o POUS ou a UEDS –, assim como os partidos de resistência – com destaque para a UDP, o MDP, o MRPP, o PSR e o PDC –, foram as principais vítimas dessa concentração entre “esquerda” e “direita”, desaparecendo com o tempo (jurídica ou facticamente), desativando-se ou absorvendo-se (com sucesso) no recente Bloco de Esquerda. A única (e significativa) resistência a essa arrumação surgiu com o governo do bloco central de PS e PSD, que sucedeu ao colapso do governo da AD liderado por Balsemão.
A coligação de Soares e Mota Pinto foi, acima de tudo, um encontro de vontades e personalidades num contexto de emergência nacional, mas não se traduziu num encontro estrutural dos dois partidos nem sequer numa fusão programática. Conduziu à afirmação irreversível de que a “esquerda” e a “direita” passavam a ter inequivocamente duas cabeças para o governo do país, eventualmente assistidas por partidos necessários para a sua sustentação parlamentar.
Neste sentido, se antes o PSD se coligara com o CDS, prolongando a experiência AD, o acordo atual do PS – que se coligara sem sucesso com o CDS na década de 70 – com PC e BE talvez apenas tenha demonstrado a inevitabilidade de que o bloco central de 1983-1985 trouxe uma solução de alternância e esta dispensaria por muito tempo um reencontro de poder entre PS e PSD. A campanha presidencial de Freitas do Amaral – que abriu caminho para a reunião da “direita” à volta de Cavaco Silva – em face da agregação de Soares à volta da “esquerda” – que implicou que o PCP escolhesse a luta contra a “direita” em prejuízo da sua coerência política – foi a etapa final da bipolarização da iii República. As ascensões (após Cavaco) de Guterres e Sócrates, os governos de coligação de Durão Barroso, Santana Lopes e Passos Coelho com o CDS de Portas e (por fim) o entendimento das “esquerdas” gizado por António Costa são o reflexo dessa bipolarização (digamos) plural.
Aqui chegados, quando se discute se o PS pode ou não chegar à maioria absoluta em 2019 (ou antes), parece que as eleições internas no PSD se baseiam, por ora, na discussão do regresso ou não do bloco central. Olhando para a História e perspetivando o futuro, e mesmo descontando os acordos (expressos ou tácitos) a fazer entre PS e PSD, será verosímil essa solução ou apenas estaremos a perder um tempo político precioso? De facto, seria um desperdício perder o que começa a ser escasso.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto, Escreve à quinta-feira