Ser “direita”


Costa assumiu o “frentismo” de esquerda para anular a “direita”; Rio e Santana não devem esconder a “direita” para combater a união (em crise) das “esquerdas”


A emancipação da chamada “direita portuguesa” aconteceu com o projeto político de Sá Carneiro- -Freitas do Amaral-Adelino Amaro da Costa-Gonçalo Ribeiro Telles – a “Aliança Democrática” de 1979- -1980. Chamar-lhe “direita” foi sempre um incómodo político e social, desde logo porque a “esquerda” – que sempre se considerou próxima (se não mesmo proprietária) da revolta de Abril e da Constituição de 1976, desde logo pela “natureza das coisas” – seria a que melhor integraria a transição e a consolidação dos princípios democráticos e reformistas. À “direita” (não falamos dos insignificantes assomos extremistas que entre 1974 e 1976 apareceram no espetro), entrincheirada premeditadamente no programa do anterior regime, se é que alguma vez vingasse, assentaria o papel de almofada para acomodar os interesses de democratização (sem marginalização) da “esquerda”, que ia do socialismo democrático ao comunismo ortodoxo (com as suas diversas variantes). E até acabaria por se esfumar. Assim muitos pensariam e muitos atuaram de acordo com esse pensamento.

Acontece que o PPD/PSD era um caldo ideológico entre social-democracia, conservadorismo, liberalismo político e humanismo personalista que aspirava a ser um pêndulo na instabilidade pós-revolucionária e que, numa primeira fase, não tinha como descolar do caldo do “socialismo” para que se pudesse integrar no arco dos partidos “legítimos”. Sob pena de se incluir, com censura, na direita (então assim referida) “reacionária” e “passadista”. Sá Carneiro percebeu que a única forma de desmantelar o poder do MFA e do Conselho de Revolução e de democratizar pela via da Constituição e da normalização dos órgãos de soberania era construir uma “frente política” contra a esquerda do PS e das figuras tutelares de Soares e Cunhal. As lideranças do CDS também compreenderam que o partido estava há demasiado tempo a ser encostado à “direita” censurada – sem que o país compreendesse verdadeiramente que estava acima de tudo ao centro e na ideologia da democracia social cristã – e necessitava de ganhar vigor popular. O resto é história. Mas a “direita” – de concertações políticas e encontros ideológicos, mais social do que propriamente política – começou nessa reunião dos dois partidos. E foi essa “direita” que permitiu a Cavaco Silva ter duas maiorias parlamentares com o PSD – com esvaziamento do CDS. Foi essa “direita” que se balcanizou com as radicalizações de Monteiro e Portas para permitirem a sobrevivência do CDS/PP perante o PSD. Foi essa “direita” que se coligou novamente para ser alternativa de governo (Barroso/Santana Lopes e Passos Coelho com Portas). Foi essa “direita” que se uniu para dar maiorias presidenciais a Cavaco e tantas vitórias autárquicas. Existe e tem vida própria.

Foi nas batalhas contra esta “direita” que António Costa fez o seu crescimento político e soube sempre tirar partido das divisões dessa “direita”. Quando avançou para os acordos com PCP e BE (gizados bem antes da derrota eleitoral), Costa implementou um “frentismo” cuja ausência (com exceção do magnetismo do primeiro Sócrates) tinha sido obstáculo a sanar a repartição das “esquerdas”. Teve o mérito dos visionários. Mas a realidade é, por vezes, implacável. Começamos hoje a perceber que essas “esquerdas” continuam a ter mais diferenças do que a “direita”. E é justamente neste momento que Rio e Santana devem assumir que a “direita” – nos costumes sociais, no funcionamento do Estado, na filosofia económico-empresarial, na organização territorial, no tratamento da pessoa, na independência face às corporações – existe e tem bases de entendimento. Diferentes da “esquerda”. Se Rio e Santana avocarem a “direita”, temos muita política pela frente.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto, Escreve à quinta-feira