Confesso que quando começou a evidenciar-se nas lides partidárias pré-eleitorais não tinha grande fé na capacidade de resistência de Mário Centeno. Posteriormente, quando é confirmado como ministro das Finanças, a minha expetativa era a de que não aguentaria um ano. O seu ar calmo contrastava com o adensar das olheiras a cada dia que passava e, por isso, temi o pior. Não por uma eventual falta de capacidade intelectual, mas por desgaste físico.
A verdade é que ele aí está. O semblante carregado do início de funções vai desaparecendo aos poucos e, comparando as primeiras aparições e declarações junto dos média com as dos últimos dias, Centeno parece um homem novo. Confiante, assertivo e, sobretudo, calmo. Muito calmo, transparecendo a imagem de saber com precisão o que está a fazer.
Demonstrou no governo a teoria de Costa de uma alternativa à austeridade, limpou números e a casa e, sem necessidade de grandes alaridos, foi reconhecido entre os seus pares na Europa.
Assumirá agora a presidência do Eurogrupo com, na minha opinião, responsabilidades acrescidas: desde logo, manter o rumo em Portugal e tentar passar a fórmula nacional para o resto da Europa.
Acredito que manter o rumo em Portugal não será o maior desafio; já tentar disseminar a sua fórmula pela Europa será um verdadeiro teste de fogo.
Não é por acaso que é escolhido e, sobretudo, não foi por acaso que não apareceram candidatos de peso para ombrear na votação.
Fico com a ideia de que se criou um benefício de dúvida sobre o efetivo efeito da fórmula de Costa e Centeno para as contas públicas portuguesas e sobre a possibilidade de aplicar alguns desses princípios nas restantes economias europeias: apostar na valorização depois da depreciação e da austeridade que se fez sentir por toda a Europa.
Acho sinceramente que é disto que se trata. Se resultou ou está a resultar em Portugal, porque não abrir a porta a que se convençam os restantes governos a fazer o mesmo?
É sobretudo isto que Centeno terá de fazer. Convencer os parceiros europeus de que existe, efetivamente, outro caminho. Passar a fórmula dos irredutíveis lusos, que daqui deste cantinho da Europa bateram o pé às pressões de austeridade do centralismo europeu.
Centeno marcou o seu estilo atirando para o consenso e a criação de pontes – uma tarefa complicada num grupo que já demonstrou ser difícil e deu sinais de grande extremismo. Basta para tal recordar as sucessivas declarações intimidatórias do ministro alemão ou do ainda atual presidente do grupo, quando se referiu aos gastos com vinho e mulheres em Portugal.
A nódoa veio, surpreendentemente, da esquerda nacional que, incompreensivelmente, ao invés de considerar a eleição de Centeno uma oportunidade de influenciar a Europa com o rumo adotado em Portugal e disseminar as fórmulas de combate ao empobrecimento e desvalorização da mão- -de-obra (tão criticados em Portugal aquando das políticas do governo anterior), optam por reagir com ceticismo.
Não compreendo como é que a liderança de Centeno no Eurogrupo, que tem sido acusado de ser o maior responsável por infligir austeridade na Europa, pode comprometer ou deixar de defender os interesses nacionais. Antes pelo contrário, acho que só temos a ganhar com isso.
Esta é a hora do druida Centeno. A hora de desvendar a fórmula que aplicou em Portugal e contribuir para uma mudança de rumo numa Europa extremada e que desespera por mais justiça social.
Escreve à quinta-feira