Ilustres…

Ilustres…


Sem desprestigiar ninguém, é intrigante perceber que, face a estes muito tristes acontecimentos, o povo português prestou uma muito maior homenagem àquele que lhe deu música e alegrou o final do dia depois do trabalho ou que o motivou na manhã antes, do que àquele que deu trabalho a muitos e criou fortuna à sua…


“ (…) Não há quem lhes escape,

Não há quem lhes resista.

São os senhores da guerra,

Essa raça maldita.

Procuram prazer, num jogo mortal.

Ficamos sem saber,

Quem é o Homem, quem é o animal. (…)”
Xutos e Pontapés, “Quem é Quem”

 

Numa semana em que Portugal perdeu duas das suas mais fortes personalidades, uma do ramo empresarial que certamente já há algum tempo estava nas principais páginas da história, da economia e do comércio português, Belmiro de Azevedo, um dos homens mais irreverentes no panorama nacional, travando até duras batalhas ao longo dos anos com os protagonistas da política portuguesa, um homem verdadeiramente livre e independente do Estado e do lóbi, são de salientar algumas frases deste como chamar “ditador” a Cavaco Silva, afirmar que Marques Mendes “nem para porteiro da Sonae” servia, ou que Sócrates era “recordista do mal fazer”. Quanto à imprensa que também teve a iniciativa de desenvolver, foi esta sempre independente e verdadeira. Muitas vezes, as suas notícias iam até contra os interesses do próprio grupo que a detinha, e isso é de louvar.

A segunda personalidade que Portugal perdeu esta passada semana foi o também irreverente Zé Pedro que, nunca sendo um músico virtuoso, foi o símbolo e o deus do rock português, a verdadeira rock star, o showman cujo maior objetivo foi transmitir a alegria e a liberdade que o rock representa, a música dos Xutos e Pontapés, simples, significativa, multigeracional, também interventiva e bem portuguesa, em que o Zé Pedro era a alma da banda que agora ficou mais pobre. Também na sua vertente política, os Xutos deixaram vários temas, entre eles “Sem Eira Nem Beira”, que, se repararmos, é bastante atual. Um eterno legado, e também outra página escrita na história da cultura e da música. Fica a música e o eterno sorriso.

Sem desprestigiar ninguém, é intrigante perceber que, face a estes muito tristes acontecimentos, o povo português prestou uma muito maior homenagem àquele que lhe deu música e alegrou o final do dia depois do trabalho ou que o motivou na manhã antes, do que àquele que deu trabalho a muitos e criou fortuna à sua custa, ou não. Podemos também a estes dois ilustres atribuir de certa forma o estatuto de super-homens pelo seu percurso, que só a estes assiste.

 

Escreve à terça-feira