A liberdade de movimentos, consagrada na carta dos Direitos Humanos das Nações Unidas, é materializada pelo direito do cidadão de se deslocar em segurança para o trabalho, lazer, etc., ligando-se de forma conveniente e eficiente às redes de transportes.
Também pela mão das Nações Unidas, e já há dois anos (25 de setembro de 2015), foram adotados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ao todo 17 objetivos cruciais com múltiplas metas, e um apelo às cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis e, pela primeira vez, o compromisso claro do setor dos transportes com o desenvolvimento sustentável. Os governos dos vários países aprovaram.
As medidas mais frequentes têm enfatizado a alteração das fontes energéticas nos transportes, nomeadamente com a promoção da mobilidade elétrica e dos chamados modos ativos (caminhada, bicicleta, etc.).
Mas os desafios da descarbonização nos transportes não podem ser concretizados apenas pela alteração das fontes energéticas. Transferir a mobilidade do uso de combustíveis fósseis para alternativas menos poluentes ajuda, mas não só não resolve o atual problema da poluição nas cidades como, por si só, também não cumpre com os compromissos assumidos para um desenvolvimento sustentável. Colocar pistas cicláveis é interessante e até atraente, mas não em locais de poluição elevada. Nessas circunstâncias, não só não resolve como ainda prejudica a saúde do cidadão que opte por fazer esforço físico com inalação direta de gases nocivos.
Acresce ainda que a degradação do ambiente urbano é um processo em curso, influenciado por diversos fatores, uns controláveis e outros nem tanto, por isso com considerável grau de incerteza, apesar das reconhecidas competências em modelos de previsão. Tenha-se como exemplo o acontecimento recente em Deli, onde variações atmosféricas tornaram a cidade subitamente insalubre, com encerramento de escolas, serviços públicos, etc.
O desafio da descarbonização tem complexidade elevada. Exige uma abordagem sistémica e continuada, não se resolve nem no curto prazo nem por simples imposição legal, e muito menos por medidas avulsas. É necessário contemplar estratégias de redução do número de viagens e da distância das mesmas; estratégias de mudança para soluções de mobilidade menos penalizadoras do ambiente urbano; estratégias que acelerem a adoção operacional de tecnologias já de-senvolvidas e que, por motivos diversos, vão vendo essa adoção ser sistematicamente atrasada; estratégias de educação popular e profissional que induzam a mudança de comportamento nas escolhas de mobilidade; e, por último, definição de planos e instrumentos para uma operacionalização coerente com as estratégias definidas.
As decisões de políticas públicas que se tomarem hoje em prol da descarbonização nos transportes terão resultados efetivos e sustentáveis nas nossas cidades talvez daqui a 10 ou 15 anos. Nos países com maturidade política, isto significa que é um problema a ser tratado a um nível suprapartidário de interesse comum, e suficientemente grave para que, em plena consciência, não seja usado na disputa partidária dos ciclos políticos, onde com frequência se verificam jogos de “fazer e desfazer” ou de “prometer e não fazer” que habitualmente acompanham a alternância política na governação.
O assunto é sério, e a responsabilidade muito elevada. Estão em causa os futuros possíveis das nossas cidades. Estamos perante um teste à maturidade política da nossa sociedade, na capacidade de reunir competências científicas e técnicas que existem, decisão pública e empreendedorismo privado que está disponível e, sem complexos de afirmação partidária, devemos trabalhar conjuntamente na definição de uma estratégia de longo prazo para o desenvolvimento e implementação de sistemas de mobilidade que, de forma responsável, inteligente e inclusiva, contribuam para a sustentabilidade das nossas cidades.
Sabemos que não é impossível, mas é preciso querer fazer!
Professora e investigadora em transportes do Instituto Superior Técnico