Os reguladores e a descentralização


Quando olhamos os reguladores, que por lei se afirmam independentes na sua organização e funcionamento, deveríamos perguntar pela razão que impede de se ir mais além do que fixar, unicamente, a Entidade Reguladora da Saúde no Porto.


O debate sobre a agência europeia do medicamento (EMA), que nos fez oscilar entre argumentos pelo Porto e defesas sobre Lisboa, retirou-nos a clareza de pensamento que nos obrigaria a perguntar sobre a razão de ser de se distribuírem, pelos Estados-membros, as agências da União Europeia.

A política descentralizadora, que se afirma desde o início e por isso mantém o Parlamento Europeu em Estrasburgo, é uma das bases da coesão, é essencial para integrar as partes, para fomentar o conhecimento, para fazer mais Europa em cada canto.

Outra das ponderações que poderíamos ter identificado prende-se com o facto de terem sido indicados dois enormes e nobres edifícios do Porto para instalação dessa EMA. Um deles foi sede do Banco Português do Atlântico, o outro foi a segunda casa dos CTT em Portugal. E o que está em cada um desses edifícios? Está o centralismo, a perda de importância, a vacatura.

A Avenida dos Aliados era, até finais do século passado, a sede principal de muitas entidades financeiras, de grandes empresas. Hoje, a Baixa do Porto não revela a presença de quadros de valor reforçado, não se identifica como rossio. E na Praça Humberto Delgado, no imponente palácio do Banco de Portugal (BP), mete dó a falta de vida que por ali se constata, a ausência de um destino para o que ali se faz, a impossibilidade de alguém ali crescer enquanto inteligência.

Quando olhamos os reguladores, que por lei se afirmam independentes na sua organização e funcionamento, deveríamos perguntar pela razão que impede de se ir mais além do que fixar, unicamente, a Entidade Reguladora da Saúde no Porto. E mais, o que leva a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a atrever-se a informar que vai encerrar a sua delegação nessa cidade–foz do Douro.

O governo propõe-se transportar o Infarmed (agência do medicamento portuguesa) para o Porto. Independentemente do que se deva fazer para concretizar esta decisão, há que saudá-la pela coragem, mas também pelo que significa no pensar de futuro quanto à estruturação do Estado.

A reação não se fez esperar. Quase toda a comunicação social, já ganha pela comodidade lisboeta, se manifestou contra a decisão, se revelou pelos pormenores, e não pelo valor facial da medida. Muitos dos que identificam o Portugal inclinado para o mar, que se exaltam perante a dramática situação da desertificação e do despovoamento, se reclamam de medidas perante a realidade do retângulo, recuam quando alguém se propõe cumprir uma obrigação urgente.

Mas poderá e deverá o Infarmed passar definitivamente para o Porto? Em nossa opinião, só pode passar em parte. Mas essa é outra discussão. Regressemos, por agora, à proposta antiga que em textos anteriores já desenvolvemos, de juntar a Entidade Reguladora da Saúde com o Infarmed numa única Autoridade dos Sistemas de Saúde e do Medicamento. Esta nova entidade ganharia músculo, assumiria uma dimensão técnica de ponta e seria um verdadeiro regulador. E deveria estar, em força, no Porto.

Há ainda os restantes reguladores, alguns com estruturas débeis e a necessitarem de uma leitura estratégica. Uma parte deles deveriam situar-se no Porto e até noutras cidades, ganhar dimensão, crescer com base nos quadros que aí granjeassem.

Assistimos à ironia (se calhar propositada) de grande parte da massa crítica económica empresarial se desenvolver na região norte do país e os reguladores e agências públicas estarem sediados em Lisboa. Não faria sentido, por exemplo, a Autoridade da Concorrência fixar-se em Santarém, no seguimento da existência, na mesma cidade, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão?

Obviamente que a descentralização não começa, nem termina, com os reguladores. Mas se começarmos também por aqui, o sinal de aproximação da administração do Estado aos cidadãos fica claro, abrindo portas para outras vertentes da descentralização como, por exemplo, realizar uma efetiva presença do IAPMEI, da AICEP e do IFD no Porto, localidade que é já a sua sede.

Os frequentadores do Alfa (CP) sabem bem que os últimos comboios das sextas (ascendentes) e domingos (descendentes) se extinguem com passageiros frequentes do Porto. O mesmo acontece com os voos de sexta e segunda entre Lisboa e Porto. Há muitos quadros que trabalham em Lisboa e que vivem no Porto. E o Norte também tem inteligência para fixar…

Sinal positivo que o governo poderá dar neste efeito é assegurar a nomeação das administrações executivas e, ao mesmo tempo, manter o seu funcionamento no Porto, em vez de deixar arrastar a atual situação de vazio, potenciando crescente desconforto pela hipótese de se falar sempre em mais uma transferência para Lisboa dos serviços relevantes das administrações públicas.

Regressamos agora à tentativa de encerramento da CMVM no Porto. Esta delegação está prevista nos estatutos da entidade e esse património jurídico deve cumprir-se. Mais: é para nós evidente que o não cumprimento grosseiro dos estatutos é motivo para exoneração do conselho de administração e esse sinal não pode deixar de ser dado pelo governo.

O tempo que vivemos e a constatação de um país a braços com uma insuportável leitura centralista não podem deixar de exigir uma atitude e reclamar mobilização do Porto e dos interiores. Só assim faremos mais país, só assim se cumpre um Portugal equilibrado.

 

Deputado do Partido Socialista


Os reguladores e a descentralização


Quando olhamos os reguladores, que por lei se afirmam independentes na sua organização e funcionamento, deveríamos perguntar pela razão que impede de se ir mais além do que fixar, unicamente, a Entidade Reguladora da Saúde no Porto.


O debate sobre a agência europeia do medicamento (EMA), que nos fez oscilar entre argumentos pelo Porto e defesas sobre Lisboa, retirou-nos a clareza de pensamento que nos obrigaria a perguntar sobre a razão de ser de se distribuírem, pelos Estados-membros, as agências da União Europeia.

A política descentralizadora, que se afirma desde o início e por isso mantém o Parlamento Europeu em Estrasburgo, é uma das bases da coesão, é essencial para integrar as partes, para fomentar o conhecimento, para fazer mais Europa em cada canto.

Outra das ponderações que poderíamos ter identificado prende-se com o facto de terem sido indicados dois enormes e nobres edifícios do Porto para instalação dessa EMA. Um deles foi sede do Banco Português do Atlântico, o outro foi a segunda casa dos CTT em Portugal. E o que está em cada um desses edifícios? Está o centralismo, a perda de importância, a vacatura.

A Avenida dos Aliados era, até finais do século passado, a sede principal de muitas entidades financeiras, de grandes empresas. Hoje, a Baixa do Porto não revela a presença de quadros de valor reforçado, não se identifica como rossio. E na Praça Humberto Delgado, no imponente palácio do Banco de Portugal (BP), mete dó a falta de vida que por ali se constata, a ausência de um destino para o que ali se faz, a impossibilidade de alguém ali crescer enquanto inteligência.

Quando olhamos os reguladores, que por lei se afirmam independentes na sua organização e funcionamento, deveríamos perguntar pela razão que impede de se ir mais além do que fixar, unicamente, a Entidade Reguladora da Saúde no Porto. E mais, o que leva a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a atrever-se a informar que vai encerrar a sua delegação nessa cidade–foz do Douro.

O governo propõe-se transportar o Infarmed (agência do medicamento portuguesa) para o Porto. Independentemente do que se deva fazer para concretizar esta decisão, há que saudá-la pela coragem, mas também pelo que significa no pensar de futuro quanto à estruturação do Estado.

A reação não se fez esperar. Quase toda a comunicação social, já ganha pela comodidade lisboeta, se manifestou contra a decisão, se revelou pelos pormenores, e não pelo valor facial da medida. Muitos dos que identificam o Portugal inclinado para o mar, que se exaltam perante a dramática situação da desertificação e do despovoamento, se reclamam de medidas perante a realidade do retângulo, recuam quando alguém se propõe cumprir uma obrigação urgente.

Mas poderá e deverá o Infarmed passar definitivamente para o Porto? Em nossa opinião, só pode passar em parte. Mas essa é outra discussão. Regressemos, por agora, à proposta antiga que em textos anteriores já desenvolvemos, de juntar a Entidade Reguladora da Saúde com o Infarmed numa única Autoridade dos Sistemas de Saúde e do Medicamento. Esta nova entidade ganharia músculo, assumiria uma dimensão técnica de ponta e seria um verdadeiro regulador. E deveria estar, em força, no Porto.

Há ainda os restantes reguladores, alguns com estruturas débeis e a necessitarem de uma leitura estratégica. Uma parte deles deveriam situar-se no Porto e até noutras cidades, ganhar dimensão, crescer com base nos quadros que aí granjeassem.

Assistimos à ironia (se calhar propositada) de grande parte da massa crítica económica empresarial se desenvolver na região norte do país e os reguladores e agências públicas estarem sediados em Lisboa. Não faria sentido, por exemplo, a Autoridade da Concorrência fixar-se em Santarém, no seguimento da existência, na mesma cidade, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão?

Obviamente que a descentralização não começa, nem termina, com os reguladores. Mas se começarmos também por aqui, o sinal de aproximação da administração do Estado aos cidadãos fica claro, abrindo portas para outras vertentes da descentralização como, por exemplo, realizar uma efetiva presença do IAPMEI, da AICEP e do IFD no Porto, localidade que é já a sua sede.

Os frequentadores do Alfa (CP) sabem bem que os últimos comboios das sextas (ascendentes) e domingos (descendentes) se extinguem com passageiros frequentes do Porto. O mesmo acontece com os voos de sexta e segunda entre Lisboa e Porto. Há muitos quadros que trabalham em Lisboa e que vivem no Porto. E o Norte também tem inteligência para fixar…

Sinal positivo que o governo poderá dar neste efeito é assegurar a nomeação das administrações executivas e, ao mesmo tempo, manter o seu funcionamento no Porto, em vez de deixar arrastar a atual situação de vazio, potenciando crescente desconforto pela hipótese de se falar sempre em mais uma transferência para Lisboa dos serviços relevantes das administrações públicas.

Regressamos agora à tentativa de encerramento da CMVM no Porto. Esta delegação está prevista nos estatutos da entidade e esse património jurídico deve cumprir-se. Mais: é para nós evidente que o não cumprimento grosseiro dos estatutos é motivo para exoneração do conselho de administração e esse sinal não pode deixar de ser dado pelo governo.

O tempo que vivemos e a constatação de um país a braços com uma insuportável leitura centralista não podem deixar de exigir uma atitude e reclamar mobilização do Porto e dos interiores. Só assim faremos mais país, só assim se cumpre um Portugal equilibrado.

 

Deputado do Partido Socialista