PGR não se opôe, mas Costa não dá parecer de Vicente

PGR não se opôe, mas Costa não dá parecer de Vicente


Conteúdo do parecer do Conselho Consultivo da PGR sobre imunidade de Manuel Vicente foi tema de conversa entre o primeiro-ministro e o novo Presidente angolano, numa altura em que Angola já deixou claro querer que o caso seja enviado para a Justiça daquele país


António Costa ainda não autorizou a divulgação do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a imunidade do ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente. A decisão já será, no entanto, do conhecimento do atual Presidente da República de Angola, João Lourenço, que esta quarta-feira se reuniu com António Costa na Costa do Marfim, à margem da cimeira entre a União Europeia e a União Africana.

O sentido do parecer, que foi solicitado (em setembro) pelo primeiro-ministro português, não é conhecido, mas António Costa não escondeu que a Operação Fizz esteve presente no encontro com o novo Presidente angolano. Aos jornalistas, garantiu mesmo que o encontro tinha corrido bem e esclareceu que os problemas nas relações entre os dois países estão todos ao nível da Justiça – o que poderá mesmo indiciar que o parecer mantém o entendimento do MP de que a imunidade de Manuel Vicente não impede um julgamento em Portugal – e não do poder político.

O ex-vice-Presidente angolano está acusado de corromper o procurador português Orlando Figueira com o objetivo de ver arquivados inquéritos em que era visado. Além de Manuel Vicente e do magistrado do Ministério Público, foram ainda acusados Paulo Blanco, advogado do Estado angolano, e Armindo Pires, homem de confiança de Vicente.

Costa percebe as razões que Angola lhe colocou

«Ficou claro que o único irritante que existe nas nossas relações é algo que transcende o Presidente da República de Angola e o primeiro-ministro de Portugal, transcende o poder político, e tem a ver com um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias portuguesas», afirmou.

Ainda que o gabinete de Joana Marques Vidal tenha garantido que não vê qualquer inconveniente na publicitação do parecer, a verdade é que a sua consulta só pode ser feita mediante autorização do requerente (o primeiro-ministro). E António Costa poderá optar por não divulgar o documento – até ao fecho desta edição o seu gabinete não tinha respondido ainda ao pedido de consulta enviado há uma semana.

Segundo o chefe do Governo, o encontro com João Lourenço terá corrido bem, havendo até num alinhamento sobre a separação dos assuntos da política e os da Justiça: «Percebo as razões que Angola coloca, mas é hoje muito evidente que há uma distinção clara entre o que é o entendimento das autoridades políticas portuguesas e aquilo que é matéria das autoridades judiciais». 

Ministro angolano das Relações Exteriores fala em guerra

Se, por um lado, o encontro na Costa do Marfim teve um desfecho positivo, por outro continuam a existir vozes críticas em Luanda ao fortalecimento das relações entre os dois países enquanto a Justiça portuguesa não deixar de perseguir Manuel Vicente. Vozes críticas dentro do próprio Executivo de João Lourenço. É o caso do ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, que disse à Lusa que «enquanto o caso não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas ações, que todos precisamos, de colaboração com Portugal».

Ao contrário do que disse Costa, o ministro angolano referira que este «já não é um caso individual de Justiça», alegando que cabe «às autoridades do Estado português verem se vale a pena esta guerra».

«Não fomos nós que a escolhemos, porque há elementos para tornar este caso num caso normal de justiça, mas a nossa posição é clara: enquanto não houver um desfecho não há cooperação nem encontros a alto nível, nem nenhum passo da nossa parte», garantiu Manuel Augusto à Lusa e à rádio francesa RF1.

O ministro acabaria por dizer depois. à chegada a Luanda, que Angola pretende ver o processo de Manuel Vicente ser tratado na Justiça angolana, referindo que apesar de as relações entre os dois países serem excelentes, Lisboa tem de deixar de pôr em causa o sistema judiciário do país africano: «É um juízo de valor que não pode existir». 

Germano Marques da Silva crítico do processo

A defesa de Manuel Vicente recorreu nos últimos dia da decisão de levar o antigo governante angolano a julgamento e juntou um novo parecer do penalista e professor universitário Germano Marques da Silva. 

Os advogados pretendem ver revogada a decisão do tribunal e que se reconheça «a imunidade de que beneficiou e beneficia o […] recorrente, com todas as consequências legais, nomeadamente a extinção e o arquivamento dos […] autos». Caso esse não seja esse o entendimento, adianta a defesa no recurso a que o SOL teve acesso, só resta uma alternativa:  determinar «a separação do processo no que respeita ao recorrente, nos termos e com as consequências legais, nomeadamente a delegação do procedimento nas autoridades judiciárias angolanas».

No parecer de Germano Marques da Silva pode ler-se que quanto às «consequências jurídico-processuais resultantes da instauração de um processo-crime e dedução de acusação pelo MP contra um indivíduo que beneficia de regime de imunidade pessoal absoluta de direito internacional em relação aos atos e crimes de quem vem acusado, a resposta é simplesmente que a acusação é inexistente não podendo, por isso, produzir quaisquer efeitos jurídicos intra e extraprocessualmente».

Sobre o envio do processo-crime para julgamento, é defendido que «sendo acusação inexistente ela não pode ser recebida na fase de julgamento».  

Também devido à imunidade, o parecer defende que «todos os atos [praticados] devem ser declarados inexistentes» e termina com a seguinte conclusão: «Por uma parte, a pessoa que goza de imunidade não poderia, mesmo que quisesse, participar no processo, não podendo ser sujeito processual. Por isso que estava impedido de se defender no processo. Por outra, a imunidade impede o exercício da jurisdição portuguesa relativamente àquela pessoa, em razão do seu cargo político, e por isso também que nenhum ato pressuponha o exercício da jurisdição pode ser praticado e todos os que materialmente o foram são juridicamente inexistentes».