Congelar as hipóteses de ser mãe

Congelar as hipóteses de ser mãe


Em 2014, a Apple e o Facebook geraram polémica ao anunciar que iriam apoiar as funcionárias que quisessem criopreservar óvulos para serem mães mais tarde. Por cá, a oferta dá os primeiros passos nas clínicas privadas 


E se a sua empresa lhe desse um voucher pelo Natal para ir criopreservar óvulos? Pode parecer bizarro, mas desde 2014 que não é novidade para funcionários de empresas tecnológicas do Facebook e da Apple, e este ano a “CNET”, publicação de São Francisco, declarou que os apoios ao congelamento de óvulos são a nova tendência em Silicon Valley, com mais de 12 empresas a seguir as pisadas das que arriscaram alargar os seus apoios à maternidade para terreno desconhecido. A ideia de guardar óvulos para tentar prolongar no tempo as hipóteses de ser mãe, ou “social freezing”, tem vindo a ganhar terreno um pouco por todo o mundo ocidental, onde as mulheres têm filhos cada vez mais tarde. Portugal não é exceção.

A criopreservação de gâmetas masculinos e femininos começou por ser proposta a doentes oncológicos, adolescentes e jovens adultos, sujeitos a tratamentos agressivos. Primeiro começou a criopreservação de esperma e, já nesta década, o SNS avançou com um programa de preservação da fertilidade feminina no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Em 2013 surgiria o Centro de Preservação da Fertilidade, onde a congelação do tecido do ovário pode ser feita sem custos para doentes. Nas clínicas privadas, que muitas vezes também oferecem esta hipótese, a título gratuito, a doentes oncológicos, a outra vertente também começa a ser explorada. Nos sites das maiores clínicas é uma das ofertas em destaque. “Quer ser mãe, tem essa ideia clara, mas talvez não seja o momento ou ainda não se sinta preparada. Se pensa que podem passar demasiados anos até que chegue esse dia e que o relógio biológico está a correr, pode ficar tranquila. A ciência dá-lhe a oportunidade de congelar os seus óvulos”, lê-se numa das páginas, que lembra que, dos 25 aos 35, anos a capacidade reprodutiva das mulheres desce até 50%. 

Focadas na carreira

Entre várias clínicas contactadas, a Clínica IVI Lisboa mostrou-se disponível para esclarecimentos. Tem um programa gratuito de preservação de fertilidade por motivos oncológicos e, nos restantes casos, o custo da preservação de óvulos é de 2500 euros. Atualmente, a procura por motivos sociais não supera a procura em caso de doença oncológica, mas já tiveram vários casos e pedidos de informação. As mulheres têm sobretudo entre os 30 e os 39 anos e as razões apontadas são estarem focadas na carreira ou considerarem que não têm condições para ter filhos. “Ainda é preciso sensibilizar as mulheres para o facto de a idade influir na fertilidade, mas nota-se que atualmente há mais consciência”, diz fonte oficial da clínica. Em ambos os casos, recomenda a criopreservação até aos 35 anos de idade. Por cá, ainda não tiveram nenhum pedido de descongelamento para fertilização, mas em Espanha somam já centenas de casos. 

Teresa Almeida Santos, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, sublinha que adiar a maternidade nunca é desejável, mas diz que esta é uma opção disponível para as mulheres que a queiram equacionar com este seguro. 

Atualmente, a técnica de congelação permite a recuperação de 90% dos óvulos, mas a fertilização nem sempre corre bem à primeira e as gravidezes tardias têm maior risco. E surgem casos de mulheres que não querem ter filhos e podem mudar de ideias? A médica diz ser raro ouvi-lo. “Não tenho essa experiência, é mais o ‘não tenho condições para ter filhos’, ‘não encontrei o homem ideal’, ‘tenho carreira’, ‘vivo numa cidade e o meu namorado vive noutra’. Poucas mulheres verbalizam a ideia de que não querem ter filhos, é um projeto que atiram para o futuro. E o problema é que, quando pensam nisso, é um bocadinho tarde. Deve haver informação, a técnica deve estar disponível e as pessoas devem ponderar.”