Finalmente está a chover. O sol tem-nos dado algumas fantasias, como se o verão nunca tivesse acabado, mas no fundo sabemos que as coisas não funcionam assim. Não queremos sempre sol. Não queremos sempre que esteja quente. Olho pela minha janela e apesar de aqui em casa estar calor, sinto o frio que não sinto na pele. As janelas estão embaciadas, o mar não se distingue da chuva, e esse frio que não sinto mas que sei que existe sabe-me bem. Não lamento não ver o dia bonito, não lamento não ver o sol porque é preciso que chova.
Porque até o céu sabe que é preciso chorar. Porque até o céu sabe que não é fraqueza fazer chover.
Nem sempre pensei assim. Sempre quis que o sol brilhasse e ainda hoje tenho algum medo do escuro. Só um bocadinho. Por vezes consigo olhar para o escuro e não me parecer que o espaço está vazio, fechado, assustado, já consigo olhar para o escuro e gostar de não ver nada. Chego até a buscar, propositadamente, essa escuridão quando quero que a minha mente se cale: tiro-lhe todos os pensamentos, esvazio-a e descanso no seu escuro, quando ela não pensa em nada. Sabe tão bem. Quem diria que poderia achar a noite da minha mente libertadora e que gostasse tanto de silêncio como admiro a companhia.
Finalmente está a chover e isso faz-me lembrar como não chorar pode secar. Não é só a falta de chuva que nos seca os rios e a boca, mas a falta de choro pode secar-nos até ao ponto de a nossa pele interna estalar. Estalar e partir. Acho que as pessoas mais zangadas são aquelas que não choram. Mas nem sempre é culpa delas. Nós também não suportamos ver ninguém chorar. Falamos sempre demasiado, justificamos aquele choro com palavras, com consolo, como se estivesse errado, e ainda acompanhamos o momento pedindo a quem chora:
“Não chores, não chores…”
Deixa chorar. Deixa chorar. Não podemos pedir ao outro que se cale, se ausente, se feche, seque. Não podemos pedir ao outro que seja sempre sol porque o sol também queima, também ferve. Não podemos pedir ao outro que luza constantemente, como se não lhe coubessem camisolas de lã, e apenas blusas frescas. Como se o calor da alma não pudesse vir também do frio, porque chorar pode aquecer sem sufocar.
Já vos disse isto – quando estive doente, não chorei o que devia. Melhor, não chorei o que merecia. Fiz um pacto qualquer com uma força que não queria, porque não era força, era medo. Passado um ano, depois de estar bem, andei a chorar o que ainda não tinha chorado porque percebi que estava a secar. Estava feia, defensiva, zangada. Precisava que chovesse. Precisava que alguém me dissesse que não fazia mal desabar porque as cheias derrubam o que nem sempre está bem construído.
Não sei como é que ela fez, mas sei que alguma coisa mudou em mim. Hoje sou um vulcão em erupção constante. Hoje gosto tanto do frio como do calor, não prefiro nenhum dos dois, só quero que ambos sejam verdadeiros. E nem sempre me é fácil assumir que opto pelo frio. Honra-me como nunca nada me honrou tanto saber que o projeto Cancro com Humor transmite coragem a muita gente, mas espero que a energia que vos entrego e espalho não vos convença a omitir o choro. Nunca foi essa a minha intenção. Não acredito em exércitos de força suprema onde as lágrimas são sinónimo de fraqueza. Há espaço e tempo para tudo.
Porque até o céu sabe que é preciso chorar. Porque até o céu sabe que não é fraqueza fazer chover.
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