Se não estiver a errar por muito, desde os tempos do Orçamento do queijo limiano que as negociações de aprovação do Orçamento do Estado não tinham detalhes de tão grande pitoresco e galhofa.
Com efeito, começamos bem, com o Bloco, que diz ter sido enganado nas negociações dos anteriores Orçamentos do Estado, a impor ao ministro das Finanças a obrigação de explicar e prestar contas mensais das cativações que faz às verbas inscritas nas várias rubricas do Orçamento.
Muito curiosamente, o BE, que negociou os OE anteriores, em que aconteceram cativações recorde, e pese a necessidade de propor esta obrigatoriedade de reporte mensal, nunca até agora (a acreditar nas palavras ressentidas da nova líder parlamentar) tinha sido (ou se sentira) enganado pelo primeiro-ministro.
Escapou-lhe, certamente, que a ela, como também a todos os portugueses, o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, com a costumada credibilidade que o BE andou a afiançar até agora, garantiram que nenhuma cativação da área da saúde tinha sido feita quando a Conta Geral do Estado indica não só que as mesmas existiram como ainda que chegaram a cerca de 80 M€.
Admitimos, claro está, que possa ter sido outro erro de percepção mútua.
Mas não deixa de ser curioso que só agora o BE tenha descoberto que, efectivamente, não acontece todos os dias a feliz coincidência de a realidade quadrar com o discurso do primeiro-ministro.
A este propósito, e apenas com referência a casos mais recentes, temos o caso do Infarmed, que o projecto de candidatura à Agência Europeia do Medicamento nunca referiu ir deslocar-se para o Porto, ou, mais antiga, a questão da administração da Caixa Geral de Depósitos, para nos mantermos em registos percepcionais.
No seu processo de aburguesamento, porém, o BE decidiu (porventura correndo a ortodoxia do combate ao inimigo principal) fingir que não via o que sempre lhe foi evidente e claro em todos os outros, enquanto não foi poder.
Não viu as cativações, não viu o estado dos transportes públicos, não viu a degradação do SNS, não viu o país a arder, não viu nada enquanto lhe foi permitido fazer diplomas sobre os temas mais pitorescos da sua agenda fracturante.
Não deixa, pois, de ser curiosa esta postura de amante enganada que a líder parlamentar levou ao púlpito, muito admirada de, depois de ter dito uma coisa e o seu contrário em inúmeros temas e a inúmeras pessoas, sob um misto de silêncio cúmplice ou encobrimento expresso do BE, o primeiro-ministro ter mandado votar na especialidade uma coisa e outra diferente no plenário.
Esta “jogada” da taxa sobre as rendas excessivas (que parece, acrescente-se, até atentos os processos-crime que correm, de elementar justiça) foi o pináculo da arte de “geringonçar”.
Será, a acreditar no que se refere terem sido os acordos prévios, e como as sucessivas votações parecem comprovar, a mais absoluta falta de palavra e de espinha dorsal a que se assistiu nos últimos tempos.
E o facto de, neste enquadramento e perante esta traição, o BE ter ainda assim votado com o PS em apoio do governo diz tudo sobre a sua condição de partido invertebrado e da condição de sombra longínqua dos seus pergaminhos de putativa reserva moral do regime.
Este episódio é exuberantemente ilustrativo do momento em que se atingiu o grau zero da ética política e da vergonha, e é absoluta e perigosamente demonstrativo de que o governo está sequestrado, e não é pelos parceiros da geringonça…
Perante este cenário e na senda redistributiva, uma lição de crescimento: aprenda a revolucionária senhora que a ignomínia, quando nasce, é para todos.
Advogado na norma8advogados, pf@norma8.pt, Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990