Emalar a trouxa e zarpar…


O modelo centralista alastrou pelo país inteiro e é o principal responsável pelo enviesamento dos programas de desenvolvimento regional


Basta uma ida de Braga a Chaves, cerca de uma hora em autoestrada, para descortinar mostras da nossa tradicional cultura da transgressão, prima direita do descaso, ambos muito afeitos a andar de mãos dadas com o desmando. Saltam à vista os fumos das queimadas, apesar de proibidas até 23 de novembro p.p., principalmente na zona do Minho, e menos quando se entra em terras de Trás-os-Montes, também menos densamente povoadas…

Mas não é só a fumaça que arrelia. Observar a relaxada convivência entre cabos da rede de eletricidade e arvoredo dá ganas de indignação, sobretudo nos povoados dispersos: linhas elétricas quase a rasar os telhados e a passar secantes às árvores próximas das habitações! Ninguém vê isto? Anda tudo vesgo?! Credo!!

Podendo parecer que nada tem a ver, vem à lembrança o folhetim do jantar no Panteão, e agora recentemente o da anunciada deslocalização para o Porto do Infarmed. Rios de tinta e tempos de antena a granel, coisa que não se vê, nem viu, com o abandono do interior. Mal foi anunciada a mudança choveram recriminações e preocupações no pátio do governo onde, diga-se de passagem, deve bater muito sol nas moleirinhas, pois quem por lá passa, não raro, indicia algum momento de transvio. O bom senso há de imperar, entretanto…

Ora, se é compreensível, e justa, a apreensão de quem se vê na iminência de ver a vida aos trambolhões, não é difícil imaginar o sentimento de quem, porque fora dos grandes núcleos urbanos, vê fugirem do lugar em que vive, trabalha e tem a família a escola dos filhos, o centro de saúde, os correios, as finanças, a segurança social, o tribunal, o notariado, e por aí adiante. Só lhe resta reunir o que pode, pegar na trouxa e zarpar. Enquanto assim for, não há meio de estancar a hemorragia do interior. Mal maior, admitamos, que ter de mudar de Lisboa para o Porto.

A força centrípeta das cidades não se faz sentir apenas no litoral. O modelo centralista alastrou pelo país inteiro e é o principal responsável pelo enviesamento dos programas de desenvolvimento regional. Onde quer que se esteja, a sede do concelho é sempre a favorita do poder local. Quem se lhe não fica perto… E, claro está, Chaves não foge à regra. É por demais evidente o dinamismo desta cidade transmontana bafejada pela natureza, que lhe confere uma graça especial, e cujo centro histórico merece atenção demorada. O rio Tâmega, mansamente, passa-lhe pelo meio e faz espelhar o casario, que se engrandece. A Ponte de Trajano – ponte romana do princípio do séc. ii d. C., como outras destruída e reconstruída através dos tempos – atravessa o rio orgulhosa, estendida nos seus arcos de volta inteira que, com o sol de feição, se refletem nas águas e se mostram em círculos perfeitos. Que bela ilusão de ótica! As graciosas casas avarandadas, onde a madeira substitui o ferro forjado nas mais comuns, arrumam-se nas ruelas empedradas que vão dar ao que foi o castelo medieval, hoje reduzido à Torre de Menagem, que domina a cidade, junto ao que resta da muralha e respetivas fortificações abaluartadas. Dali, o panorama é soberbo e faz esquecer as profundas mazelas dos últimos incêndios. Deles se fala com pesar e antevê-se um futuro negro na economia agrícola da região.

 

Gestora, Escreve quinzenalmente