A ANACOM e a incompetência tripartida


O antigo secretário de Estado Sérgio Monteiro empenhou-se em desmembrar tudo o que fosse público para o entregar aos negócios e interesses privados. E a antiga presidente da ANACOM cumpriu a função de homologadora deste assalto ao setor


Os últimos cinco anos foram negros para a ANACOM e para o país. Houve uma leitura incompetente da responsabilidade do regulador e a assunção de um assalto ao Estado, às suas funções e obrigações, levado a cabo pelo antigo secretário de Estado Sérgio Monteiro.

Monteiro soube sempre o que o movia – desmembrar tudo o que fosse público, consagrar negócios aos grandes interesses privados e limitar os contribuintes e consumidores na defesa dos seus interesses. Fátima Barros, antiga presidente da ANACOM, cumpriu, de forma cabal, as funções de homologadora desse assalto do setor.

Olhemos três universos que, nos últimos tempos, têm sido conhecidos e que comprovam o que afirmamos.

O governo anterior “privatizou” a atividade postal em Portugal que era detida, quase em monopólio, pelos CTT. Essa decisão, que vai ao arrepio do que se assume em territórios onde esse processo já aconteceu há décadas, implicou nas obrigações de serviço público, na estrutura da empresa, nos benefícios para o equilíbrio do país e, ainda, na representação que o Estado assume em cada território.

É que os serviços postais existentes não servem somente como âncora em zonas de baixa densidade populacional e no interior. É que o sucesso das estratégias nacionais e europeias na promoção do comércio eletrónico e da digitalização da indústria, sem serviços postais e de entregas eficientemente regulados, leva a que desbaratemos esta janela de desenvolvimento que de nós se acerca. A experiência de hoje em comprar um artigo online é, quase sempre, acompanhada de um anticlímax no processo de entrega, quando este chega a existir.

Os novos CTT conviveram bem com a ausência de Governo e com a ausência de regulador, expandiram os seus resultados e encurtaram a qualidade do seu serviço.

Em síntese, concorreram à concessão de um serviço postal, para o desmantelar, concentrar e reduzir, para, no fim de tudo, confirmarem que o queriam é abrir um banco.

Acontece que esta anacrónica empresa não poderia ser vista, pelos investidores, como uma mina e quando estes se apercebem que não haverá perdão perante as implicações contratuais, os bons gestores sucumbem perante a realidade, a cotação acionista degrada-se e inventam-se outras formas de reduzir custos para manter proveitos.

O regulador sabe que está na sua cabeça uma espada e que não haverá clemência perante a verificação das obrigações que a empresa comporta. É, por isso, que não pode permitir a externalização de forma irreversível do serviço postal, porque essa externalização impedirá a recuperação, para o Estado, da empresa se esse for o caminho que a maioria política existente, no termo do prazo previsto na concessão, vier a existir.

O país verificou uma transferência rápida para novos e voláteis paradigmas no que se refere às comunicações. A cada conjuntura se verificava que o tempo do analógico era pré-história, que as imposições de serviço universal se extinguiam. A Portugal Telecom, incumbente e formadora da praça, por ser pública, detinha a competência técnica e a avaliação de mercado que obrigava o poder a aceitar as suas imposições.

Acontece que, em 2014, já não havia o cenário que se identificou, a realidade era oposta e o regulador, somado à atitude cleptómana em favor dos privados, em vez de extinguir o serviço universal de telefone na componente do serviço fixo, abriu um concurso.

Ganho pela NOS, no valor de quase 12 milhões de euros, esse concurso não teve em conta o histórico levamento que a MEO havia infligido aos consumidores e que ascendia a 18 milhões de euros por ano.

Claro está que a NOS, em reação à ANACOM que agora vem dizer o óbvio – este serviço não tem uso (como já se previa em 2013) – reivindica o seu poder de receber todo o valor até 2019. E está claro que o novo presidente do conselho regulador não pode deixar de propor ao Governo o fim do procedimento e a cessação do contrato.

Espera-se agora que o Governo governe e indique, pelo seu lado, o membro do tribunal arbitral que determinará a indemnização pelo fim do serviço e do contrato, mas será sempre mais vantajoso para os consumidores o não arrastamento do incrível negócio.

Em 2015, depois de um longo processo de feitura da lei-quadro das entidades reguladoras, a ANACOM consagrava um novo Estatuto. Já nos mostrámos admirados com a falta de dimensão e de arrojo do legislador para atribuir ao regulador as competências do tempo que vivemos.

A ANACOM, entidade que implica com milhões de procedimentos por dia, defensora dos consumidores, é um ente que não liga patavina a esses consumidores. Se os portugueses tiverem um minuto para se questionarem ficarão admirados por haver um conselho tarifário (avaliador das implicações económicas da regulação) e um conselho consultivo (ponderador das obrigações estatutárias que o Estado entrega) na Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, mas nenhum desses órgãos existir na ANACOM. A resposta é simples – Fátima Barros, conluiada com Sérgio Monteiro, não quis saber dos portugueses para nada, os operadores não suportam ser confrontados com as reivindicações dos consumidores.

Acontece que Portugal não é a Albânia do século XXI, que o comércio digital é hoje o dia-a-dia de cada cidadão e que esse comércio implica, decisivamente, com as obrigações do regulador.

As empresas reguladas não precisam de uma chata entidade para lhe impor regras, para avaliar o que se passa por esse mundo, para garantir a defesa dos indefesos portugueses. Mas o Estado e o Regulador, se soubessem o papel que lhes competia, deveriam ter reivindicado a formatação das atribuições e competências suficientes para não houvesse vazio legislativo.

Neste momento interessa julgar a ANACOM e o Governo dos tempos recentes. E a sentença deve ser de molde a consagrar uma pena de inelegibilidade para funções públicas de responsabilidades dos entes que atravessaram este texto.

Deputado do Partido Socialista