Não há nada mais difícil do que saberes aquilo de que gostas. Parece que é mais fácil saberes o que não queres e, ainda melhor, os dotes que não tens, mas não sei se alguém nasce com a certeza daquilo que quer. Dizem que a piada disto é isso mesmo, a descoberta, mas ninguém tem muita paciência para descobrir. Queremos logo passar para a parte das soluções, em que nos é dada a resposta e nos dizem que estamos no caminho certo. Talvez a frustração tenha nascido daí, desta incongruência constante de termos de procurar os sonhos em todo o lado, enquanto o universo nos orienta com as suas irónicas palavras, “está frio…”, “está quente…”, quando, na verdade, ambos sabemos que nos estamos mais a afastar do que a aproximar da nossa vontade.
Empurram-te para o jogo da descoberta, fingem que é divertido, mas ninguém quer que ganhes. E se, por acaso, fores dos poucos que percebem as regras e procuras de facto, entusiasmado e vivo, aquilo que te move, com a real intenção de tornar essa descoberta o propósito da tua vida? Ui… Os mesmos que te incentivaram a jogar à caça ao tesouro são os que apagam a linha da meta e trocam os sinais para que não chegues à vitória.
São os que te dizem para seres aquilo que quiseres que impõem os limites.
Acham graça a que procures insensatamente alguma coisa, mas não assim tanta quando a encontras. Sinto isso todos os dias. Eu própria me convido a jogar, mas fico mais nervosa do que feliz quando venço o desafio. “Cheguei!” pode ser uma conclusão mais aterrorizadora do que o inicial “vamos embora!”. Mesmo que a ideia original seja que se chegue. Que se entenda. Que se conquiste. Mas é sempre absolutamente estranho quando se torna real.
E porque será que fazemos isto? Porque é que todos aplaudem a tua partida e poucos respeitam a tua chegada?
Não será certamente por falta de amor. Acho que a resposta para qualquer estagnação é sempre o medo. Medo de te ver chegar e de te tornares outro que não conhecemos; medo que te magoes ao deixares aquilo que sempre foste para seres aquilo que queres ser; medo que te esqueças de quem sempre te viu; medo que não voltes; medo que relembres, àqueles que nunca foram, que talvez já seja tarde demais. Sempre que partires terás coros inteiros a dizerem-te para continuares o teu caminho, para continuares a procurar, mas sempre que lá chegares intimidarás todos os outros. Sempre que assumires que “esta vida não me cabe”, “este trabalho não me serve”, “este país não me inspira”, “esta forma de estar não me acrescenta”, não serás admirado. Serás visto como um louco. Um louco que decidiu jogar a sério àquilo que era só para fingir; um louco que escolheu ser o que lhe apeteceu, sem cumprir as expetativas comuns.
Saltaste da caixa quando a ideia era só que espreitasses lá para fora.
Se lá chegares, não te colocarão uma medalha ao peito, mas sim, serás questionado. Claro que é um desperdício de exemplo. Claro que deveríamos olhar para ti e deixarmos que nos inspires – desenhaste a tua própria vida e isso deveria ser um motivo de admiração. Mas não é. É sempre uma razão para que te questionemos, para que duvidemos da tua sanidade.
Saltaste da caixa quando a ideia era só que espreitasses lá para fora.
Se for para jogares a sério, tens de esquecer o público, os aplausos, os méritos, os louvores. Fá-lo só por ti, sem espetadores. Fá-lo por ti, sem nunca quereres impressionar.
Saltaste da caixa quando a ideia era só que espreitasses lá para fora, e agora dizes-nos que fora das amarras é tudo diferente, é tudo melhor, é tudo estimulante. Claro que não serás admirado – és um provocador que nos mostra o quão estamos errados. E isso será sempre motivo de ira.
Deixa lá. Se fores questionado é porque, no fundo, és admirado.
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