Professores. Juntos pelos nove anos, quatro meses e dois dias

Professores. Juntos pelos nove anos, quatro meses e dois dias


Docentes concentraram-se ontem à frente da Assembleia contra o “apagão” no tempo de serviço para a progressão de carreiras.


As bandeiras dos sindicatos denunciam os grupos de professores que descem a Rua de São Bento em direção à concentração organizada em conjunto pela Fenprof e pela FNE. As mesmas bandeiras que anunciam de onde vêm os docentes: Grande Lisboa, zona Norte, zona Centro, zona Sul… De todo o país chegam professores descontentes, sobretudo com o processo de descongelamento de carreiras proposto pelo governo.

Falta meia hora para as 11 da manhã, hora marcada para o início da concentração à frente da Assembleia da República, mas já há quem vá preparando o momento. Monta-se o palanque que vai dar voz aos representantes sindicais, tiram-se as bandeiras das carrinhas e distribuem-se pelos professores, afixam-se os níveis de adesão da greve nas escolas. “Estamos a fazer recolha dos dados de adesão”, explica Mário Santos, do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL) enquanto escreve “encerrada” no papel correspondente à Escola EB 2/3 da Lavra, em Matosinhos. “Já é prática comum”, afirma, “publicitamos sempre os dados da forma o mais visível possível”, acrescenta.

A “forma mais visível” a que Mário se refere é um placar na frente da manifestação. De um lado estão as escolas encerradas, do outro, as percentagens de adesão à greve nas que abriram. Os docentes olham e apontam, e alguns sentam-se ao lado do placar, nos primeiros degraus da Assembleia. Ainda muita gente está a chegar, mas já se ouve música de fundo. Enquanto os Deolinda vão soando nas colunas que foram montadas ao lado dos palanques, Graça Coelho, com 58 anos e 35 de profissão, reivindica os nove anos, quatro meses e dois dias que lhe querem tirar. “É uma injustiça! Ninguém tirou licença sabática”, reivindica, enquanto se ouve outros professores gritarem “não ao apagão”_como palavra de ordem.

Mário Nogueira, dirigente da frente sindical Fenprof, diz ao i que “os professores não trabalharam nem metade do tempo, nem alguns dias, nem uns meses ou anos. Trabalharam estes nove anos, quatro meses e dois dias de uma forma exemplar e não admitem que esse tempo não lhes seja contado”.

Com esta medida, o topo da carreira passa a ser algo inatingível para muitos professores. Paula Ortega e Conceição Rodrigues, de 55 e 47 anos, respetivamente, relembram que “se estes anos não contarem, nunca lá chegaremos”. Interrompem a conversa para se juntarem à multidão que grita “a luta continua, professores estão na rua”. A avaliação dos professores que tem sido feita nos último anos vai, como diz Cristina Coelho, “para a gaveta” em vez de “ser usada para a progressão”. Professora há 19 anos, Cristina saiu de Leiria às 8h15 para estar à hora combinada em frente da Assembleia a reivindicar melhores condições. “Vínhamos a ouvir [pelo caminho] que muitas escolas estavam fechadas e outras a meio-termo”, conta.

Sobre os dados da greve, Mário Nogueira afirma que “as escolas estão fechadas por todo o país”. “Claro que há escolas que funcionam, mas nem a meio gás.”

 

Esperança comum

Todos parecem ter uma esperança em comum: que o governo reconsidere. “Senão, não estávamos aqui”, diz Luzia de Jesus, colega de Graça na Escola Vieira da Silva, em Carnaxide. “A perder um dia de vencimento, não é brincadeira”, acrescenta logo Graça.

Para os professores, o descongelamento pode ser progressivo, o que pedem é que não seja apagado por completo o tempo de serviço. “Espero que possamos chegar a um acordo, que nos possam ir colocando no escalão certo e que nos paguem o que nos é devido, mesmo que seja progressivamente”, disse Paula Ortega.

A manifestação foi-se compondo._“Nós contamos ter aqui no mínimo sete mil pessoas, mas admitimos que possa atingir as dez mil”, disse. A realidade terá ficado aquém das expetativas, principalmente quando comparada com concentrações antigas. A manifestação ocupou o largo à frente da escadaria da Assembleia da República, deixando a Rua de São Bento livre. Para quem via do cimo da escadaria, o mais evidente eram as bandeiras dos vários sindicatos envergadas pelos professores. Por trás desta visão, a voz de Mário Nogueira ouvia-se pelas colunas: “Não há um dia de serviço de que abriremos mão!”, seguida de um forte apoio dos manifestantes.

 

Ministro ausente

A ausência do ministro Tiago Brandão Rodrigues, por motivos de doença, não alterou em nada o programa da concentração. “Estão cá os secretários de Estado”, afirma logo Luzia de Jesus, professora há 30 anos e que agora leciona em Carnaxide. “O ministro [da Educação] não manda no Orçamento do Estado”, acrescenta Rui Sousa.

Mário Nogueira afirma que “a questão não é contra o ministro da Educação, não tem nada a ver com o ministro da Educação”. A marcação da greve e da concentração prende-se com a realização da “comissão da Educação” e o “debate na especialidade sobre as questões do ensino e da educação”, que decorreu em simultâneo com a manifestação, mas no interior do parlamento.

Na agenda da reunião de hoje com o governo, para além do descongelamento de carreiras, que “ocupará o espaço central”, Mário Nogueira pretende discutir outros três temas: “A questão da aposentação, a questão dos horários de trabalho” e “a questão dos concursos.”

 

Em Luta pelo respeito

Conceição Castro, José Pedro e Filipa Costa vão partilhando a sua história. São todos professores com pelo menos 15 anos de profissão e seis de serviço, se o governo avançar com o “apagão”. Na mão têm um cravo “para chamarmos a atenção”, explica Filipa Costa. “Já percebemos que o Ministério da Educação não nos ouve se não viermos para a rua.”

O descongelamento das carreiras não é a única razão que a trouxe a São Bento. Professora em Guimarães, Filipa conta que os três pertencem “ao grupo de docentes lesados a 25 de agosto” com a alteração das regras do concurso dos professores e, por isso, está a trabalhar muito longe de casa e só vê o filho ao fim de semana. “Sinto que estou a perder tanta coisa”, desabafa.

Mário Martins e Jorge Martins, “irmãos de luta”, trazem uma situação menos mediatizada: “Pedimos o reposicionamento da carreira.” Em que consiste o reposicionamento? Ao entrar para os quadros, os professores eram depois reposicionados no escalão correspondente ao tempo de serviço que tinham. No entanto, com o congelamento das carreiras, tal nunca aconteceu. “Em condições normais estaríamos no quarto ou quinto escalão”, explica Jorge. “Estamos a receber o mesmo índice que os professores que começaram agora.” Mário vai mais longe e pega numa cópia que trouxe do Diário da República indicando uma alteração feita em 2010 e que acrescenta que o governo deve definir uma portaria responsável por esta área. “A portaria nunca foi aplicada”, explica. “O descongelamento é uma questão de governo, isto é uma questão de lei.”

“Nós gostamos de ser professores, gosto do que faço, gosto dos meus alunos, merecemos um tratamento melhor”, exige a professora Cristina Coelho.